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Resenha: A Libélula dos seus Oito Anos, de Martin Page

Literatura francesa 10 de setembro de 2011 Aline T.K.M. 9 comentários

Resenha do livro: A Libélula dos seus Oito Anos, de Martin Page

Imaginem uma leitura deliciosa... Pois bem, ler A Libélula dos seus Oito Anos foi para mim uma delícia até difícil de ser explicada, tamanho o encanto que me proporcionou.

Escrito numa narrativa sarcástica, o romance traz figuras que fogem completamente ao usual, e que só se tornam críveis por conta da riqueza de detalhes psicológicos com que são descritos. A protagonista, Fio Régale, é uma jovem simples e muito pragmática, com uma incrível capacidade para a pintura e inigualável aptidão para enxergar o mundo ao seu redor. Ela gosta de neve e chá sem açúcar, e chantageia pessoas ameaçando tornar públicos seus segredos, os quais ela finge conhecer. Com isso, consegue dinheiro suficiente para se sustentar. O resultado é um romance único e irresistível sobre a banalidade da vida, urdido com o humor, a delicadeza e a desesperança tão peculiares do autor de Como me tornei estúpido.

São 175 páginas que dizem muito e que prendem do início ao fim. A narrativa traz uma boa dose de sarcasmo e é recheada de frases incríveis (e muito verdadeiras!); mais incríveis ainda são os acontecimentos, que beiram – e mesmo adentram – o campo do absurdo. Um humor genial e que foge do óbvio está sempre presente. Sem pecar pelo excesso (característica tão comum de encontrarmos por aí), muitas passagens são bem capazes de arrancar risadas dos leitores.

O livro nos mostra claramente como as coisas, pessoas e informações podem ser banais e bem passíveis de serem modeladas. Verdades não passam de mera construção planejada, atingindo o status de verdades simplesmente porque alguém assim o quis e afirmou. Desta forma, é extremamente difícil encontrar a fronteira entre uma pessoa “ela-mesma” e o que as pessoas acreditam que ela seja; embora às vezes estes dois territórios pareçam bem demarcados, eles acabam por fundir-se de maneira incontornável. A defesa é tarefa impossível, já que, conforme a ideia passada no livro, não há como defender-se da admiração alheia.

Não podemos nos defender da admiração, não podemos desconfiar de quem gosta de nós, é uma guerra da qual sairemos sempre perdedores.
[...]
A admiração embute um canibalismo sublimado.


Os personagens são a principal atração do livro, a cereja do bolo, eu diria. Construídos com excelência, eles possuem toques de uma excentricidade cativante e também sarcástica, principalmente Fio e sua melhor amiga, Zora. Saboreei a “esquisitice” de cada hábito e apreço que elas apresentavam, e concluí que não há de fato esquisitice, mas somente permissividade suficiente dentro de cada uma delas para ir (muito) além do convencional. Na essência, isto por vezes me trouxe um sentimento do tipo “pequenos prazeres da Amélie Poulain”...

Aproximaram-se cada vez mais. Suas personalidades combinavam. Até que um dia ambas assumiram a responsabilidade de ser uma a melhor amiga da outra. Fio tivera outros amigos antes de Zora, pois todo mundo tem amigos. Tinha também uma torradeira; nem todo mundo tem uma torradeira.


Alguns detalhes que merecem atenção: a história de amor nada convencional dos pais de Fio; o ganha-pão politicamente incorreto – e inteligentíssimo – da protagonista antes da reviravolta em sua vida; o excêntrico gosto de Zora por dar tiros de arma em eletrodomésticos; a creperia de Misha Shima; e há muitos outros detalhes especiais no livro (é impossível citá-los todos)!

Há quem tenha pés grandes, outros têm manchas vermelhas. Já Zora possuía a incrível faculdade de detestar.
[...]
O ódio é uma forma de se consolar em relação às coisas que nunca se poderão ter. Zora não odiava por ela mesma, mas pelos outros. De certa maneira, seu ódio era uma forma de altruísmo.


Tenho a impressão de que não consegui expressar aqui o quanto este livro me fascinou. Recomendadíssimo: Fio e Zora estão entre os personagens mais singulares que já “conheci” (arrisco mesmo a pensar que todo mundo que leu o livro teve uma vontade secreta de que elas fossem reais só para tê-las como amigas); o livro já está entre meus favoritos; e o francês Martin Page tem tudo para estar entre meus autores favoritos também (estou completamente empolgada para devorar outras obras dele).


Capa do livro A Libélula dos seus Oito Anos

Onde comprar: Amazon

Título: A Libélula dos seus Oito Anos
Título original: La libellule de ses huit ans
Autor(a): Martin Page
Tradução: Bernardo Ajzenberg
Editora: Rocco
Edição: 2010
Ano da obra: 2003
Páginas: 176

Aline T.K.M.
Criou o Livro Lab há 12 anos e se dedicar a este projeto é uma das coisas que mais ama fazer, além de estar em contato com os mais variados tipos de expressões artísticas. Tem paixão por cinema, viajar e conhecer outras culturas. Ah, e ama ler em francês!

 

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9 comentários

  1. Fantástica a sua resenha, não poderia definí-la de outra forma! =)
    "Desta forma, é extremamente difícil encontrar a fronteira entre uma pessoa “ela-mesma” e o que as pessoas acreditam que ela seja; embora às vezes estes dois territórios pareçam bem demarcados, eles acabam por fundir-se de maneira incontornável." - Uma triste verdade.
    Beijos, Caah ♥

    @Camilla_Leitte
    http://sonhosentrepontinhos.wordpress.com

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  2. Nossa!
    Desde que eu vi a sinopse desse livro há alguns meses nos lançamentos da Rocco fiquei curiosa, mas depois dessa resenha, preciso desse livro PRA ONTEM! Como faz?
    Beijos ;*

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  3. Oi, não conhecia esse livro, mas goste da resenha, ele parece ser incrível. Gosto de livros pouco convencionais, vou procurar por ele!

    Beijokas

    Pah, Livros & Fuxicos

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  4. Oi Aline!
    Caramba, achei a dica de hoje muito interessante! Nunca tinha ouvido falar nesse livro.
    Despertou meu interesse por conta do sarcasmo e do ganha-pão da Fio rs
    Beijos!

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  5. Não gosto de exageros, mas todos os livros dele são encantadores!

    Ótimo blog!

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  6. Se vocês ficaram curiosas/empolgadas com a resenha, aconselho MESMO que leiam o livro. Acho que nem consegui expressar o quão incrível achei a leitura! =D

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  7. Ainda não conhecia esse livro!
    Adorei sua resenha, principalmente quando você diz que o sarcasmo está presente na dose certa!
    Acredito que a construção de bons personagens são fundamentais em um livro.
    Já coloquei na minha lista para ler ;)

    Bjs
    Mari
    Psychobooks

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  8. fiquei dividio em relação a este livro, por um lado adorei a Fio, por outro não gostei da Zora.
    Prefiro os outros do Martin page; tambem escrevi sobre eles em meu blog ^^

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  9. fiquei dividio em relação a este livro, por um lado adorei a Fio, por outro não gostei da Zora.
    Prefiro os outros do Martin page; tambem escrevi sobre eles em meu blog ^^

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