Em uma manhã qualquer, um homem decide raspar o bigode que ele vinha usando há 10 anos. Com ato tão simples pretende mudar um pouco, surpreender a mulher, os amigos. Porém ninguém percebe a mudança; afirmam, ainda, que ele jamais usou bigode. Ele começa, então, a recolher provas da existência do bigode, dando início a questionamentos e confusão, que nos fazem caminhar da realidade ao delírio sem saber de qual lado ficar.
Estamos diante de uma obra, no mínimo, intrigante. O Bigode, de Emmanuel Carrère, nos mostra um protagonista muito bem elaborado, porém, e por conta do próprio enredo, há a constante sensação de ausência da última peça de um quebra-cabeça. E é daí que vem o ponto alto do livro: o leitor não consegue desgrudar das páginas, tomado pela ânsia de entender o que se passa com o ex-bigodudo e o mundo ao redor dele.
O leitor é arrastado pelo redemoinho psicológico que envolve a trama. As questões são muitas, e colocamos à prova – junto com o protagonista – a veracidade dos fatos e a integridade psicológica dos personagens. Inclusive não descartamos a possibilidade de alguma conspiração contra nosso pobre protagonista.
O livro é narrado em terceira pessoa, mas sempre através do olhar do protagonista; é como se tudo nos fosse contado sob a perspectiva do personagem central – há momentos em que nos sentimos dentro de sua mente, inclusive. Os demais personagens têm seu papel no enredo, mas nada tão crucial. Agnes, a mulher do protagonista, tem algum destaque na trama, mas ainda assim, tudo – e todos – gira em torno do grande conflito que envolve o personagem principal, o homem que raspou o bigode.
A leitura é super fluida e o livro tem um ritmo acelerado. O aspecto psicológico (questionamentos, hipóteses perante os fatos) domina a narrativa. Merecem destaque as descrições presentes no livro, cruas e diretas, porém absolutamente carregadas de força, ou ainda demonstrando uma calmaria singular.
Não posso deixar de mencionar que o mais interessante desta leitura é tentar compreender o que a figura do bigode representa. Muito além de ser apenas um tufo de pelos, o bigode nos remete à identidade do personagem. Indo um pouco além, diria que esta identidade representada pelo bigode está mais próxima de ser aquilo que a sociedade moldou no personagem, um papel que ele representa para que as expectativas da vida cotidiana sejam atendidas. Um papel que todos nós representamos e do qual, muitas vezes, nos tornamos indissociáveis. Raspar o bigode seria mais do que uma simples fuga para o personagem do livro, seria libertar-se das pressões e cobranças – parar de andar conforme o fluxo para recuperar vontade própria e ir de encontro ao indivíduo real por trás do “disfarce” de todos os dias. Notamos, porém, um despreparo interno da parte dele em relação a esta libertação, uma visível impossibilidade de desvincular-se do papel que lhe foi atribuído na sociedade. A partir daí, a confusão mental, o possível delírio, encontra lugar para instalar-se, dada a busca desorientada do personagem por sua própria identidade – a real.
Nem preciso dizer que esta é uma leitura super recomendada. As 140 páginas, que já não são muitas, têm tudo para serem vorazmente devoradas por aqueles que apreciam conflitos e incertezas quanto à realidade – na literatura, claro.
Curiosidade: o livro teve uma adaptação para o cinema feita pelo próprio autor, também cineasta. La Moustache - que leva o mesmo nome do livro - foi premiado no Festival de Cannes de 2005.
Título: O Bigode
Título original: La Moustache
Autor(a): Emmanuel Carrère
Editora: Rocco
Edição: 2002
Ano da obra / Copyright: 1986
Páginas: 142
13 comentários
Emmanuel Carrère está na moda aqui na França, com livros sempre muito bem escritos. O último dele que saiu por aqui há poucos meses é "Limanov", e foi recentemente premiado. Ainda não li, mas quero ler!
ResponderExcluirNUnca havia falado deste autor! Que interessante :D
ResponderExcluirBeijocas,
Lariane - www.leiturasedevaneios.com.br
Adoro livros assim que nos prendem, que quase não conseguimos parar de ler
ResponderExcluirEsse livro me pareceu ótimo
Beijo
http://marifriend.blogspot.com/
@Storiesandadvic
Oi Aline!
ResponderExcluirEu adorei sua resenha e fiquei muito intrigada pelo livro!
Adorei o fato de o bigode ser tão representativo na obra!
Beijos!
Que interessante o livro e adorei a sua resenha, fazendo-me querer saber mais sobre a obra. Abraços!
ResponderExcluirO título é no mínimo intrigante, para começar a falar. Segundo, o carinha é um escreveu "Outras Vidas que não a minha", foi o maior sucesso na França, se não me engano, mas infelizmente não o li também.
ResponderExcluirFiquei curiosa com O Mustache e devo destacar que a resenha ficou ótima! Me forneceu alguns elementos que realmente me atraem para ler um livro!
Beijos!
http://www.pronomeinterrogativo.com
Nunca tinha ouvido falar do livro nem do autor.
ResponderExcluirLivros com essa narrativa que te envolvem psicologicamente fazem você acreditar que é VOCÊ que está ficando doido. É incrível isso.
Um beijo,
Luara - @luuara
http://estantevertical.blogspot.com/
Nossa, que loucura! Nunca tinha ouvido falar nesse livro, e fiquei com a sensação de ser daqueles livros que mostram as coisas além do que elas são. Sabe? Rsrs.
ResponderExcluirBeijos.
Olá!
ResponderExcluirAchei essa dica super interessante! Não conhecia e já anotei aqui! \o/
:*
Mi
Inteiramente Diva
Olá Aline ^^
ResponderExcluirQue titulo engraçado rsrs
Mas que vc falou achei bem interessante o livro, e de engraçado deve ser só o tit. mesmo.
Dica anotada :)
Ahhh, obg por participar da promo que Venham as Ferias, boa sorte!
Beijos
Rapha - Doce Encanto
Eu não conhecia o livro, mas gostei do título. Achei inusitado.
ResponderExcluirÉ aquele tipo de livro que gosto. Tem uma trama psicológica, momentos de reflexão e toques de humor.
Vou dar uma olhada por aqui.
Esse com certeza está na lista!!
Ótima dica :)
Bjs ;)
Gostei mais do filme! heheha
ResponderExcluircomentei sobre as diferenças deles em minha pagina ;)
Acabei de ler o livro...achei muito boa e o final e surpreendente...deixa no ar essa dualidade de ser real ou ilusão a trajetória do personagem... recomendo a leitura, não conhecia oo autor foi indicação de um amigo, mas gostei. Vou procurar a adaptação pro cinema.
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