Nocilla Dream [Agustín Fernández Mallo]
Agustín Fernández Mallo 7 de junho de 2013 Aline T.K.M. 5 comentários
Publicada em 2006 na Espanha por uma editora independente, Nocilla Dream é a primeira parte de uma trilogia, que virá a ser completada por Nocilla Experience e Nocilla Lab. Tornou-se um fenômeno no país – esteve entre os dez melhores livros de ficção do ano pelo jornal El Mundo, e foi eleito o quarto romance mais importante da década de 2000 em língua espanhola pela revista literária Quimera.
Nocilla Dream, que pode sem agravo aceitar a etiqueta indie, bebe do pop e também de referências mais eruditas, sejam da física, da arte conceitual, da arquitetura pragmática ou da literatura. Com um quê de road movie e de filme B americano, traz personagens freaks, outsiders, fracassados, cujas vidas mais se parecem com performances artísticas carregadas de material poético. Prostitutas de um bordel de beira de estrada, habitantes de micronações, velhinhos chineses fanáticos por surf, um argentino que vive em Las Vegas e resolve construir um peculiar monumento a Jorge Luis Borges... Entre vidas imaginadas ou documentadas, teorias científicas, passagens de obras de Thomas Bernhard, Italo Calvino e Jorge Luis Borges, seus 113 microcapítulos compõem uma colagem insólita e de difícil classificação.
Composto por fragmentos a meio caminho de serem chamados de capítulos, Nocilla Dream requer do leitor total desprendimento. É preciso despir-se de quaisquer amarras, convenções ou ideias pré-moldadas. Alimentar expectativas coerentes é difícil; melhor mesmo é esperar pelo inesperado – nem mesmo as linhas presentes na orelha do livro conseguem “traduzir” de forma fiel o que o leitor encontra nas páginas que se seguem.
PRIMEIRO: há o surreal, presente na imagem de uma grande árvore em pleno deserto de Nevada, carregada de sapatos pendurados em seus galhos, às margens da estrada que leva a Carson City. Galhos que mais parecem testemunhas e agentes de troca de todo tipo com os indivíduos que percorrem o caminho.
SEGUNDO: há os próprios indivíduos, desiludidos, solitários, e constantemente de passagem – pela estrada, por suas próprias histórias e pelas de outros tantos indivíduos.
Algumas trajetórias começam e se detêm de repente; outras têm seu desfecho sem que conheçamos exatamente o real ponto de partida. Personagens e histórias encontrados no início da leitura são reencontrados somente lá pelo meio do livro, e, se tivermos sorte, podem ser vistos em mais uma página e meia de despedida no final. Esse caos de inícios e fins, originando-se uns dos outros, parece nos jogar na cara a combinação contraditória de complexidade e simplicidade que é a vida. Como leitores e como seres humanos, melhor não tentar entender, será em vão.
Os capítulos, ou fragmentos, são praticamente independentes entre si. Pedaços de histórias encontram-se mesclados a pequenos textos descritivos sobre ciência e tecnologia, avulsos, mas podendo emprestar-se um mesmo caminho de reflexão. Inclusive, li um artigo sobre o livro no qual o jornalista sugere que a leitura dos capítulos se faça de maneira randômica, e que jamais se esgotam as combinações de conexão entre eles. Gostei da ideia e deixo aqui a sugestão para quem quiser se atrever a tentar.
Concluir a leitura de Nocilla Dream é como admirar um experimento improvável; ou então juntar fotografias aleatórias em um mesmo álbum, forçando-as a compartilhar uma trajetória comum. É ter a sensação de ter lido não um, mas vários romances ao mesmo tempo, e ainda saber de algumas coisas científicas pelas quais nunca tivemos – e ainda não temos – o menor interesse. Genial e inédito, em todos os possíveis sentidos que essas palavras possam ter.
Em tempo: adoro a capa brasileira, só que é inevitável encontrar na capa espanhola – cuja ilustração é essa da imagem que abre o post – um espírito mais próximo ao do livro.
É, ainda, o nome de uma nova geração de escritores espanhóis que, tendo Mallo como expoente, investiga a sociedade de consumo, a mistura de gêneros literários e a liberdade narrativa.
Nocilla Dream, que pode sem agravo aceitar a etiqueta indie, bebe do pop e também de referências mais eruditas, sejam da física, da arte conceitual, da arquitetura pragmática ou da literatura. Com um quê de road movie e de filme B americano, traz personagens freaks, outsiders, fracassados, cujas vidas mais se parecem com performances artísticas carregadas de material poético. Prostitutas de um bordel de beira de estrada, habitantes de micronações, velhinhos chineses fanáticos por surf, um argentino que vive em Las Vegas e resolve construir um peculiar monumento a Jorge Luis Borges... Entre vidas imaginadas ou documentadas, teorias científicas, passagens de obras de Thomas Bernhard, Italo Calvino e Jorge Luis Borges, seus 113 microcapítulos compõem uma colagem insólita e de difícil classificação.
Composto por fragmentos a meio caminho de serem chamados de capítulos, Nocilla Dream requer do leitor total desprendimento. É preciso despir-se de quaisquer amarras, convenções ou ideias pré-moldadas. Alimentar expectativas coerentes é difícil; melhor mesmo é esperar pelo inesperado – nem mesmo as linhas presentes na orelha do livro conseguem “traduzir” de forma fiel o que o leitor encontra nas páginas que se seguem.
PRIMEIRO: há o surreal, presente na imagem de uma grande árvore em pleno deserto de Nevada, carregada de sapatos pendurados em seus galhos, às margens da estrada que leva a Carson City. Galhos que mais parecem testemunhas e agentes de troca de todo tipo com os indivíduos que percorrem o caminho.
SEGUNDO: há os próprios indivíduos, desiludidos, solitários, e constantemente de passagem – pela estrada, por suas próprias histórias e pelas de outros tantos indivíduos.
Algumas trajetórias começam e se detêm de repente; outras têm seu desfecho sem que conheçamos exatamente o real ponto de partida. Personagens e histórias encontrados no início da leitura são reencontrados somente lá pelo meio do livro, e, se tivermos sorte, podem ser vistos em mais uma página e meia de despedida no final. Esse caos de inícios e fins, originando-se uns dos outros, parece nos jogar na cara a combinação contraditória de complexidade e simplicidade que é a vida. Como leitores e como seres humanos, melhor não tentar entender, será em vão.
Os capítulos, ou fragmentos, são praticamente independentes entre si. Pedaços de histórias encontram-se mesclados a pequenos textos descritivos sobre ciência e tecnologia, avulsos, mas podendo emprestar-se um mesmo caminho de reflexão. Inclusive, li um artigo sobre o livro no qual o jornalista sugere que a leitura dos capítulos se faça de maneira randômica, e que jamais se esgotam as combinações de conexão entre eles. Gostei da ideia e deixo aqui a sugestão para quem quiser se atrever a tentar.
Concluir a leitura de Nocilla Dream é como admirar um experimento improvável; ou então juntar fotografias aleatórias em um mesmo álbum, forçando-as a compartilhar uma trajetória comum. É ter a sensação de ter lido não um, mas vários romances ao mesmo tempo, e ainda saber de algumas coisas científicas pelas quais nunca tivemos – e ainda não temos – o menor interesse. Genial e inédito, em todos os possíveis sentidos que essas palavras possam ter.
LEIA PORQUE
A sinopse, confesso, acerta ao dizer que o livro tem “um quê de road movie”. Tem MUITO de road movie, na verdade. Mas, insisto, todo o resto é completamente inesperado. Simples e saborosamente inesperado.DA EXPERIÊNCIA
Leitura tão digna de crédito quanto encontrar, no final, a bibliografia dos trechos e citações presentes nos capítulos (realmente houve pesquisa); e tão inusitada quanto me deparar com um microcapítulo composto inteiramente por pequenos comentários da imprensa – positivos e negativos – acerca do livro.FEZ PENSAR EM
Alguns achados ao longo das páginas: alguém que tem por hobby colecionar fotografias encontradas, um sapato marrom jogado no meio do asfalto, uma pintora reclusa em seu apartamento, um designer de tampas de bueiro (será que isso existe?!).Em tempo: adoro a capa brasileira, só que é inevitável encontrar na capa espanhola – cuja ilustração é essa da imagem que abre o post – um espírito mais próximo ao do livro.
CURIOSIDADE
Nocilla é um creme de avelã espanhol semelhante à Nutella; está também no nome da música “¡Nocilla, qué merendilla!” da banda punk galega Siniestro Total, que inspirou o autor ao dar título ao projeto Nocilla.É, ainda, o nome de uma nova geração de escritores espanhóis que, tendo Mallo como expoente, investiga a sociedade de consumo, a mistura de gêneros literários e a liberdade narrativa.
Onde comprar: Shoptime
Título: Nocilla Dream
Autor(a): Agustín Fernández Mallo
Tradução: Joana Angélica d'Avila Melo
Editora: Companhia das Letras
Edição: 2013
Ano da obra: 2006
Páginas: 216
Aline T.K.M.
Criou o Livro Lab há 12 anos e se dedicar a este projeto é uma das coisas que mais ama fazer, além de estar em contato com os mais variados tipos de expressões artísticas. Tem paixão por cinema, viajar e conhecer outras culturas. Ah, e ama ler em francês!
5 comentários
Oi Aline, tudo bom?
ResponderExcluirNossa, não conhecia essa série ainda, mas fiquei super interessada.
Vou procurar, gostei muito do post!
Tem promoção e post novo
Beijos
Endless Poem
"entre os dez melhores livros de ficção do ano pelo jornal El Mundo, e foi eleito o quarto romance mais importante da década de 2000" Dá p/ não sentir vontade de ler?
ResponderExcluirParticularmente não curto muito road movies, mas ainda assim, fiquei fascinado pelo review.
http://triplamente.blogspot.com.br/
Ele tem carinha de road movie, pela própria estrutura narrativa, o vaivém de histórias,... É mais isso mesmo, mas não que a história no geral seja típica de um road movie (são várias histórias, aliás). Ficou meio confusa minha frase... Enfim... O livro é fascinante, pelo menos eu achei! Recomendo a todos os leitores que tenham mente literária bem aberta.
ExcluirFiquei bastante interessada, ainda mais por não ser muito o estilo que estou acostumada.. Isso (no momento é uma boa)...
ResponderExcluirO título me deixou com vontade de ler...Curti muito sua perspectiva do livro!
Beijokas
Jeh
www.jeitodler.com
Oi Jeh! Na verdade, acredito que ninguém possa dizer que está acostumado com o estilo desse livro. Ao menos eu nunca havia lido nada parecido antes. Achei sensacional, mas é bem o tipo de livro "ame ou odeie". Bjinho!
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