Winston vive aprisionado na grande engrenagem de uma sociedade totalmente dominada pelo Estado, onde tudo é feito coletivamente, mas onde cada qual vive sozinho. Ninguém escapa à vigilância, nem à vingança do Grande Irmão, a mais famosa personificação literária de um poder cínico e cruel ao infinito.
Um mundo dividido em três superpotências em constante guerra; um homem sozinho desafiando uma tremenda ditadura é tomado por uma paixão furtiva e libertadora pela colega Julia, enquanto nutre expectativas de unir-se a uma organização que luta contra o Partido.
1984, último romance de George Orwell, ainda se impõe como poderosa reflexão ficcional sobre a essência nefasta de qualquer forma de poder totalitário.
Poderia escrever uns cinco reviews e todos eles sairiam diferentes; 1984 é uma obra de várias nuances. O caminho que escolhi para orientar esse review – e evitar que pareça uma colcha de retalhos – é o do conceito da Verdade que, afinal, permeia toda a trama.
Imaginem uma sociedade onde tudo e todos são controlados pelo Partido, que assume a forma do Grande Irmão, este representado por um rosto imenso – com direito a bigodinho e olhos que parecem nos observar de todos os ângulos – em cartazes espalhados em todo canto. Teletelas cuja programação se resume a mensagens que o Partido deseja que você veja/ouça (incutidas nas notícias, nas músicas,...); aparatos que funcionam também como uma espécie de espelho falso, permitindo que o espectador seja observado do outro lado, e que possuem a curiosa particularidade de, pasmem, jamais poderem ser desligados.
Winston, o protagonista, é a minoria de um, o cara cujos pensamentos vão além do controle do Partido. Alguém que não consegue colocar totalmente em prática o duplipensamento – a capacidade de “sustentar duas crenças contraditórias na mente simultaneamente”, aceitando e acreditando nas duas. Justo ele, que trabalha no Ministério da Verdade e que lida diariamente com a manipulação de fatos passados de acordo com a conveniência do Partido. Que já teve em mãos provas concretas da mentira que se faz passar por verdade (e que, por isso, acaba por tornar-se, de fato, verdadeira), do contínuo jogo de pôr à prova a memória e a capacidade de raciocínio da população, devidamente controlados pelo Partido.
E ainda há a Novafala, uma língua em processo de instauração que visa à redução drástica do vocabulário a fim de impossibilitar a expressão de ideias hereges. Não é à toa que a presença em si do mínimo de consciência faz Winston entrar em parafuso.
Também o relacionamento – proibido – entre Winston e Julia tem suas particularidades. A moça, com sua atitude rebelde e pensamento desobediente, acaba revelando um imenso tédio com relação à política; para Julia só existe o presente, nada mais. A esperança de encontrarem em O’Brien um aliado em suas ideias promove reviravoltas: este terceiro personagem revelará muito da essência dos outros dois, principalmente de Winston, e da Verdade ela própria.
Afinal, o que é a Verdade? Existe uma realidade independente de tudo, uma verdade exterior? Ou a verdade se encontra na mente das pessoas e, portanto, é definida conforme o que é aceito pela maioria, a crença dominante? Tais dúvidas surgem diante do fato de que tudo é passível de ser alterado, da possibilidade de se criar homens mortos e fazê-los existir “com a mesma autenticidade e com base no mesmo tipo de evidência que Carlos Magno ou Júlio César”.
O texto repleto de inquietudes e os protagonistas tão humanos quanto o Partido jamais poderia permitir – e que faz de tudo para erradicar – fazem de 1984 uma obra extremamente atemporal. Conforme revela o posfácio de Erich Fromm, o livro não só descreve barbáries passadas, como se refere também a todos nós; o livro fala do ontem, do hoje e do amanhã, tudo ao mesmo tempo e misturado. Utilizo um trecho, agora do posfácio de Ben Pimlott, que cabe com perfeição aqui: “1984 é um grande romance e um grande tratado por causa da clareza de seu chamado, e irá resistir porque sua mensagem é permanente: os pensamentos incorretos são a essência da liberdade”.
1984 insere questões na mente do leitor assim como o próprio protagonista questiona a realidade em que vive. Questões que não são de todo novas, uma vez que “os melhores livros são aqueles que lhe dizem o que você já sabe”, segundo o que nos conta o próprio Winston.
LEIA PORQUE...
Política; o ser humano como indivíduo; pensamento crítico; o amor. 1984 entrelaça tudo isso em uma distopia construída de forma magnífica. Um clássico moderno que pode ser lido como um romance, ou como um verdadeiro apelo. Ou ainda como uma crítica – a quê, exatamente, fica a critério de cada um (mencionei que o livro tem nuances diversas).Essa edição contém três posfácios imprescindíveis, tão ricos quanto a própria obra.
DA EXPERIÊNCIA...
Meu primeiro contato com George Orwell. Já sabia por alto do que se tratava o livro, e ainda assim a leitura me surpreendeu.Não sei se vocês lembram, mas a série Feios, do Scott Westerfeld, já chegou a ser comparada com 1984. De fato, muitos dos conceitos trazidos na série são de natureza semelhante aos do clássico, ainda que em menor grau de complexidade e com abordagem diferente.
FEZ PENSAR EM...
Como 1984 consegue ser um retrato, ainda que exagerado, do mundo de hoje. Tomando em conta todas as diferenças e as devidas proporções, em nível metafórico dá para enxergar ali instituições diversas, e até mesmo o universo das grandes corporações.Impossível não pensar também na grandiosa trilogia 1Q84 do Murakami, inspirada no livro de Orwell.
Título / Título original: 1984
Autor(a): George Orwell
Editora: Companhia das Letras
Edição: 2009
Ano da obra: 1949 (Posfácios: 1961, 1989 e 2003)
Páginas: 416
Onde comprar: Fnac | Submarino | Saraiva (eBook) | Livraria Cultura (eBook) | Amazon (edição Kindle)
Aline T.K.M.
Criou o Livro Lab há 12 anos e se dedicar a este projeto é uma das coisas que mais ama fazer, além de estar em contato com os mais variados tipos de expressões artísticas. Tem paixão por cinema, viajar e conhecer outras culturas. Ah, e ama ler em francês!
15 comentários
Sem dúvida 1984 é um livro de várias nuances... Não tem como ler e não refletir, mas também não tem como não transformá-lo em um dos livros preferidos. Sou super fã de Orwell e das suas obras atemporais!
ResponderExcluirAbraços, Isabela.
Estou louca para ler esse livro
ResponderExcluirVai ser uma das minhas leituras desse ano
Beijos
@pocketlibro
http://pocketlibro.blogspot.com
Clássico!
ResponderExcluirRequer uma leitura com tempo, pena que não estou podendo agora!
Beijinhos
Rizia - Livroterapias
Oi Aline, tudo bem?
ResponderExcluirEu olho esse livro e penso: PAI das distopias + PAI do BBB hahahaha
Eu tenho muita vontade de lê-lo, exatamente pela política da trama. O que me deixa curiosa também é o autor, como nunca li nada dele não sei o que esperar. Já tenho o livro, quero ver se o leio ainda esse mês.
Beijos
Pah, Livros & Fuxicos
Desde os tempos de faculdade ouvi falar muito no livro, e também nunca havia lido nada do autor. Não me arrependo de ter lido somente agora; acho que é daqueles livros para os quais existem o tal "momento certo" para ler. No meu caso, tenho a sensação de que li na hora certa. =)
ExcluirSuas resenhas são muito bem escritas!
ResponderExcluirO jeito como fala da história é muito interessante! =D
Beijos
http://plantaoonline.blogspot.com.br/
Ei, obrigada, Paola!! =)
ExcluirAgora que eu estou começando a gostar de distopias e ler sobre o assunto, esse foi um dos primeiros livros que quis ler. Saber de onde tudo veio e tal. O cara parece ser alto nível mesmo, doida para ler.
ResponderExcluirBjs, @dnisin
www.seja-cult.com
Ei Aline
ResponderExcluirÓtima resenha. Eu li este livro faz muito e muito tempo rsrs, na época que comecei a faculdade. Na época eu amei, mas não lembro todos os detalhes e uma pena que não tem no blog. Eu li tbm o primeiro de 1Q84 este ano e gostei muito, mas não li ainda o segundo.
É uma distopia muito interessante, das melhores. E é muito legal isso, ver que naquela época que o autor escreveu ele realmente "adivinhou" muita coisa que acontece hoje em dia.
bjs
Também conheci o livro na época da faculdade, mas só fui lê-lo agora hehehe. Concordo que é uma das melhores distopias, senão a melhor que já li. Não li muitas distopias do gênero YA, mas um cara que manda(va) bem na descrição do caos é o Saramago.
Excluir1Q84 está sendo algo viciante para mim hahaha. Depois do segundo você vai quase dar um rim para ter o terceiro em mãos imediatamente. =P
Sou louco pra ler Orwell, só tenho ~~medinho~~ de não entender as sacadas políticas da obra e julgar errado depois. Muito bom o review, parece ser bem complexo, espero gostar (e ler esse ano ainda).
ResponderExcluirAbs
Antes de ler também tive esse medinho, mas relaxa, a leitura é tranquila mesmo se você não entender quase nada de política (meu caso, confesso que é um assunto que me interessa, mas com o qual não tenho a menor paciência). Se você sabe assim por cima algo sobre a essência dos regimes totalitários, vai ler o livro facilmente e com prazer.
ExcluirEstou com A Revolução dos Bichos para ler e estou com esse medo novamente hahaha. Não sei, mas algo me diz que A Revolução será um pouco complexo; ainda assim estou ansiosa para ler...
Foi minha primeira leitura de 2013. O livro é realmente fantástico.
ResponderExcluirMuito boa sua resenha!
bjos
Obrigada, Leninha! O livro é fantástico com F maiúsculo hehehe.
ExcluirAgora que conheci o gênero distopico estou louco pra ler este clássico. Parabéns pela resenha.
ResponderExcluirAbraços
estantejovem.blogspot.com.br