Resenha: Laranja Mecânica, de Anthony Burgess
Aleph 15 de novembro de 2013 Aline T.K.M. 12 comentários
A maldade, se por livre escolha do indivíduo, é preferível à bondade imposta e condicionada? Esta é a questão em torno da qual gira a trama de Laranja Mecânica, clássico moderno que estourou graças ao filme homônimo de Stanley Kubrick.
Alex é um adolescente de quinze anos – bem mais jovem do que no filme – que dedica suas noites a doses de leite (moloko) com os mais diversos complementos (todos ilícitos) no Lactobar Korova e a realizar atos inescrupulosos com os amigos Georgie, Pete, e Tosko.
Vandalismo, roubos, estupros, agressões físicas e verbais, não há limites para os garotos e Alex, que, negligente com os estudos, não raro passa os dias somente a planejar as atrocidades que cometerá à noite, enquanto seus pais pensam que ele trabalha. Aficionado por música clássica, em especial a de Ludwig van (Beethoven), encontra nas sinfonias inspiração para seus pensamentos e ações mais violentos.
Até que, ao ser preso, Alex é colocado diante da possibilidade da “cura”, o que para ele significa apenas se ver livre ao fim de duas míseras semanas – nada, se comparado aos longos anos que teria de cumprir no sistema carcerário tradicional. A tal cura, entretanto, referia-se à Técnica Ludovico, um método que extirparia toda e qualquer iniciativa violenta do indivíduo através da associação da violência com o mal-estar físico.
O resultado, ou seja, o que Alex se torna depois do tal experimento, provoca as mais diversas reações: desde as críticas da religião (que condena a extinção do livre-arbítrio) até a revolta dos mais liberais, para quem a cura é uma forma de controle que dá ao Estado um poder mais totalitário.
Alex é um adolescente de quinze anos – bem mais jovem do que no filme – que dedica suas noites a doses de leite (moloko) com os mais diversos complementos (todos ilícitos) no Lactobar Korova e a realizar atos inescrupulosos com os amigos Georgie, Pete, e Tosko.
Vandalismo, roubos, estupros, agressões físicas e verbais, não há limites para os garotos e Alex, que, negligente com os estudos, não raro passa os dias somente a planejar as atrocidades que cometerá à noite, enquanto seus pais pensam que ele trabalha. Aficionado por música clássica, em especial a de Ludwig van (Beethoven), encontra nas sinfonias inspiração para seus pensamentos e ações mais violentos.
Até que, ao ser preso, Alex é colocado diante da possibilidade da “cura”, o que para ele significa apenas se ver livre ao fim de duas míseras semanas – nada, se comparado aos longos anos que teria de cumprir no sistema carcerário tradicional. A tal cura, entretanto, referia-se à Técnica Ludovico, um método que extirparia toda e qualquer iniciativa violenta do indivíduo através da associação da violência com o mal-estar físico.
O resultado, ou seja, o que Alex se torna depois do tal experimento, provoca as mais diversas reações: desde as críticas da religião (que condena a extinção do livre-arbítrio) até a revolta dos mais liberais, para quem a cura é uma forma de controle que dá ao Estado um poder mais totalitário.
Crítica, a distopia dá margem a diversas vias de interpretação – filosófica, política e teológica –, e não é difícil enxergar nela traços de 1984, outro clássico distópico. Em ambos, o Estado se impõe de maneira violenta perante o desrespeito às regras, e utiliza de meios psicológicos para exercer seu domínio. A passagem na qual é entregue um espelho a Alex para que ele observe a si mesmo após uma surra me remeteu, em especial, a um trecho semelhante do livro de Orwell, quando o protagonista é também colocado de frente a um espelho, de modo que veja o que a tortura fez com seu corpo, consequência da rebeldia perante o governo. Fantasiado de herói, o Estado propõe – impõe – a cura da violência à medida que ele próprio e sua polícia se mostram mais violentos e menos tolerantes. Curioso, não?
Também curiosa – e empregada com genialidade – é a linguagem nadsat criada por Burgess. O vocabulário, um misto de inglês, russo e de gíria da classe operária inglesa, aparece em durante toda a trama, uma vez que o narrador é o próprio protagonista – Alex e seus amigos, bem como outras gangues juvenis, utilizam a linguagem nadsat como uma gíria. A frequência dessas palavras justifica a existência de um glossário no livro; convém dizer que, lá pelo meio da história, o leitor se verá tão familiarizado com termos como maltchik, miliquinha e slovo – garoto, policial e palavra, respectivamente – que recorrer ao glossário já não será necessário.
Tolher a violência e impedir que o ser humano opte livremente pela maldade, de forma que atitudes de bondade lhe sejam impostas, ainda que vazias de verdadeira intenção; não seria isso o mesmo que esvaziar o homem de seu fator humano e substituí-lo por um mecanismo moldado por terceiros, pré-fabricado? Não seria isso reduzir o homem a uma laranja mecânica?
Se o livre-arbítrio do indivíduo tem impacto em níveis coletivos, também, e invariavelmente, a segurança e a ordem na coletividade trazem consequências até à mais ínfima parte do ser humano. É o preço a se pagar por escolhas que – tão somente – acreditamos serem feita por nós mesmos, meros cidadãos governados.
Em tempo: ter lido a “Edição especial de 50 anos” fez toda a diferença. Além das ilustrações fantásticas de Angeli, Dave McKean (minhas preferidas) e Oscar Grillo, a edição traz vários extras – textos do autor sobre a obra, reprodução de algumas páginas dos originais e esclarecimentos quanto aos desafios da tradução brasileira.
Também curiosa – e empregada com genialidade – é a linguagem nadsat criada por Burgess. O vocabulário, um misto de inglês, russo e de gíria da classe operária inglesa, aparece em durante toda a trama, uma vez que o narrador é o próprio protagonista – Alex e seus amigos, bem como outras gangues juvenis, utilizam a linguagem nadsat como uma gíria. A frequência dessas palavras justifica a existência de um glossário no livro; convém dizer que, lá pelo meio da história, o leitor se verá tão familiarizado com termos como maltchik, miliquinha e slovo – garoto, policial e palavra, respectivamente – que recorrer ao glossário já não será necessário.
Tolher a violência e impedir que o ser humano opte livremente pela maldade, de forma que atitudes de bondade lhe sejam impostas, ainda que vazias de verdadeira intenção; não seria isso o mesmo que esvaziar o homem de seu fator humano e substituí-lo por um mecanismo moldado por terceiros, pré-fabricado? Não seria isso reduzir o homem a uma laranja mecânica?
Se o livre-arbítrio do indivíduo tem impacto em níveis coletivos, também, e invariavelmente, a segurança e a ordem na coletividade trazem consequências até à mais ínfima parte do ser humano. É o preço a se pagar por escolhas que – tão somente – acreditamos serem feita por nós mesmos, meros cidadãos governados.
LEIA PORQUE
Leitura obrigatória. Atemporal, não importa a interpretação que se faça da obra. Também extremo e gerador de duras reflexões. Sem falar que Laranja Mecânica sempre foi objeto de referências e alusões na música, no cinema, e até nos Simpsons.DA EXPERIÊNCIA
O eu pós-Laranja Mecânica é certamente diferente do eu pré-Laranja Mecânica.Em tempo: ter lido a “Edição especial de 50 anos” fez toda a diferença. Além das ilustrações fantásticas de Angeli, Dave McKean (minhas preferidas) e Oscar Grillo, a edição traz vários extras – textos do autor sobre a obra, reprodução de algumas páginas dos originais e esclarecimentos quanto aos desafios da tradução brasileira.
FEZ PENSAR EM
“Laranja é a cor da insanidade” (Vincent van Gogh).
Onde comprar: Amazon
Título: Laranja Mecânica
Título original: A Clockwork Orange
Autor(a): Anthony Burgess
Tradução: Fábio Fernandes
Ilustração: Angeli; Dave McKean; Oscar Grillo
Editora: Aleph
Edição: 2012 - Edição especial de 50 anos
Ano da obra: 1962
Páginas: 352
Aline T.K.M.
Criou o Livro Lab há 12 anos e se dedicar a este projeto é uma das coisas que mais ama fazer, além de estar em contato com os mais variados tipos de expressões artísticas. Tem paixão por cinema, viajar e conhecer outras culturas. Ah, e ama ler em francês!
12 comentários
me sinto burro ignorante por não ter conseguido ler esse clássico.
ResponderExcluirnão aguentei ter que recorrer toda hora ao glossário, isso empacava de mais a minha leitura, me desestimulando muito; já demoro para ler um livro normal, um que ainda tem palavras que não faço ideia o que significam, tendo que consultar o glossário, acaba não sendo para mim.
prefiro então rever várias vezes o clássico do Kubrick mesmo.
Confesso que no primeiro quarto do livro eu ficava meio cansada de ir ao glossário, até deixava um marcador nele porque é o tempo inteiro. Mas depois, como disse, você meio que decora as palavras e a narrativa flui normalmente. Tem gente que lê sem ver o glossário, mas acho que não aguentaria de curiosidade de entender nos mínimos detalhes o que se passa na história.
ExcluirO filme também é ótimo, sensacional. Se você não for ler mesmo, pule então para o fim do livro e leia os últimos dois capítulos. É que o final é diferente no filme e no livro (na edição original, porque em algumas edições mais antigas, nos EUA principalmente, eles cortaram o último capitulo).
Sempre associo 1984, Laranja mecânica, Admirável mundo novo e Fahrenheit 451, que são os representantes mais ilustres da distopia. Dentre eles li apenas o primeiro. Mas certamente lerei os demais, em algum momento no futuro. Falando de Laranja... gosto da premissa, é um questão moral de uma profundidade aterradora. Quanto a edição, realmente faz toda a diferença. Especialmente quando se trata de clássicos, os textos complementares são um elemento importante.
ResponderExcluirAbraço
Juan - sempre-lendo.blogspot.com.br/
Pois é, quanto aos textos complementares, é de muita valia entender o contexto da coisa toda, conhecer um pouco mais do autor. Ah, dessas distopias clássicas já li 1984 também, e recentemente consegui um exemplar de Admirável Mundo Novo. =) Quero ler todas elas.
ExcluirAline, acho esse livro sensacional!!! No final da primeira parte do livro, ao saber a idade de Alex, levei um choque ao relembrar tudo o que ele tinha feito até o momento. Os pais dele eram um exemplo do descaso que estava acontecendo na sociedade representada por Burgess, para com os jovens. O final, mostrando o amadurecimento de Alex também me agradou bastante. Mas o que mais gostei do livro, foi sua linguagem. Não entendi nada na primeira página, mas com o tempo fui me habituando e compreendendo as palavras usadas. Foi uma experiência de leitura excelente. Quando eu indico a leitura desse livro, sempre falo para não espiar o glossário, pois acho que estraga um pouco a experiência de estranhamento e,depois, de compreensão.
ResponderExcluirEntão, sabe que eu nunca iria conseguir ler sem o glossário!! Hahaha iria ficar me remoendo de curiosidade para saber o significado exato de tal e tal palavra, mas é fato que o estranhamento é um ponto importante e ele ocorre mesmo com as idas ao glossário (minha opinião).
ExcluirTambém me surpreendi com a idade do Alex, e concordo com a "cegueira" dos pais; também fica claro que a geração dele é uma geração sem "problemas reais", tudo vem muito fácil. Como diz no livro, não há contra o que lutar.
Eu já vi muita gente falando desse livro e o quanto ele é bom e tal, mas acho que a linguagem desse livro é um pouco mais cabeça. Foi o que o Thyeri disso no comentário acima "não espiar o glossário, pois acho que estraga um pouco a experiência de estranhamento e,depois, de compreensão", porque realmente, todo livro que tem glossário a gente vai ler o significado e fica "meia hora" pensando no contexto daquilo.
ResponderExcluirxx,
www.likeparadise.com.br
Pelo contrário! A linguagem do livro não é cabeça, o que acontece é que o autor criou um vocabulário que no texto é usado como uma gíria pelos adolescentes. Daí a necessidade de espiar o glossário, pois é um vocabulário que não existe na vida real (é uma mescla de gíria, inglês e russo). A ideia do livro, por outro lado, é complexa no sentido de dar margem à reflexão e a controvérsias. É um livro que vale muito a pena.
ExcluirSempre tive vontade de ler, mas nunca tive oportunidade, acho q essa edição especial é a minha deixa!!
ResponderExcluirSou louca para ter essa edição na minha estante, pena que esteja sempre tão caro haha mas um dia eu chego lá.
ResponderExcluirBeijos,
Jhey
www.passaporteliterario.com
Oi Aline,
ResponderExcluirNunca li Laranja Mecânica, acredita? Mas não pude esperar e assistir ao filme ano passado. Foi uma das minhas melhores experiências cinematográficas. Gosto muito das discussões suscitadas pela trama.
Essa edição comemorativa é lindíssima, um sonho de consumo. Um dia vou tê-la na minha estante.
Beijos
Cooltural
Também só fui ler o livro muito depois de ver o filme. Acho que assisti pela primeira vez há uns 9 anos atrás, e fiquei vidrada pelo filme. Mas vale assistir e ler, até porque o livro tem detalhes importantes que diferem do filme (como a idade do protagonista e o próprio desfecho).
ExcluirSobre a edição comemorativa, vale a pena tê-la sim, eu até pensei em fazer um videozinho curto mostrando como ela é, os extras e tal, mas acabei nem fazendo...