Com o lançamento de mais um livro da americana Jennifer Egan por aqui, resolvi que agora era a vez de ler aquele meu exemplar intocado de A Visita Cruel do Tempo, comprado na Bienal de 2012. E não me arrependi; inclusive, acredito que li em um bom momento.
Aquele esquema de variados personagens que, em algum momento de suas vidas, se conectam uns aos outros aparece em A Visita Cruel do Tempo, primeiro livro de Egan editado no Brasil. Pessoas tão diferentes quanto podem ser...
Bennie Salazar, empresário da indústria musical, que descobriu os Conduits;
Sasha, assistente cleptomaníaca de Bennie e dona de um passado um tanto obscuro;
Lou, produtor musical viciado em cocaína, cuja vida é marcada por festas e garotas bonitas em sua mansão;
Dolly, assessora de imprensa que, ao ter sua carreira destruída, encontrou como única solução para seus problemas financeiros ser assessora de um general ditador;
Lulu, filha de Dolly, que desde criança tem a habilidade de influenciar as coleguinhas;
Jules Jones, repórter de celebridades preso por atacar uma jovem atriz;
Scotty, um cara simples que toca slide guitar, amigo de Bennie na adolescência.
De fins da década de 70 a um futuro não muito distante (por volta de 2030), vemos estes e outros personagens em ação e interação, em capítulos que intercalam diferentes momentos de suas vidas. Quase como um personagem adicional, o tempo é onipresente e implacável. Também toca as vidas dos personagens, provocando efeitos que podem ser tanto devastadores como reparadores.
A falta de linearidade temporal é característica marcante no livro. Na prática, a sensação que se tem é a de, literalmente, não perceber a passagem do tempo. Eventos e pessoas vão e vêm sem uma coreografia definida, tal como a nossa própria memória faz pipocar lembranças a esmo. Em algum momento, tudo parece fazer sentido. Mas não nos enganemos: à espreita, o tempo sempre prova que tudo é inevitavelmente volúvel e passageiro.
O passar do tempo traz um pessimismo palpável à narrativa. A juventude que se esvai; a ausência do puro, do casto; a quase total manipulação através da tecnologia; a música “de verdade” em vias de extinção.
As referências musicais são muitas, fazendo das páginas um agrado a mais para os fãs de rock. Mas é sobre as pausas no meio das canções que se fala insistentemente em determinado momento da trama. E não é à toa: elas talvez sejam a representação mais próxima que se tem da percepção da passagem do tempo – e de um desejo inconsciente de detê-la.
Por coisa de um segundo e meio – às vezes mais, às vezes menos –, o ouvinte fica como que suspenso em uma bolha, a se perguntar se a música acabou de repente ou se os instrumentos recuperarão o vigor num estrondo ainda mais avassalador, rumo ao grand finale.
No fim das contas, a inevitável expectativa do que vem a seguir é a prova cabal de que só existem duas alternativas possíveis: ou o tempo continua a seguir seu curso veloz, ou aquele é, de fato, o fim.
LEIA PORQUE...
A Visita Cruel do Tempo é a degradação, a resiliência e a abdicação, misturadas e remexidas no imenso caldeirão da vida real. Tudo devidamente temperado com uma narrativa viciante e impecável.
DA EXPERIÊNCIA...
O pessimismo, tal como adoro, embrulhado para presente.
FEZ PENSAR EM...
“Time is passing” – The Who:Título: A Visita Cruel do Tempo
Título original: A Visit From the Goon Squad
Autor(a): Jennifer Egan
Tradução: Fernanda Abreu
Editora: Intrínseca
Edição: 2012
Ano da obra: 2010
Páginas: 336
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Aline T.K.M.
Criou o Livro Lab há 12 anos e se dedicar a este projeto é uma das coisas que mais ama fazer, além de estar em contato com os mais variados tipos de expressões artísticas. Tem paixão por cinema, viajar e conhecer outras culturas. Ah, e ama ler em francês!
13 comentários
Já está na minha lista há muito tempo, parece interessantíssimo. E depois dessa resenha eu preciso ler imediatamente. ;D
ResponderExcluirTainara, se já está na sua listinha, corre para ler! É um livro muito bom, sem falar que a narrativa da autora me conquistou.
ExcluirHey, que blog lindo <3
ResponderExcluirMenina, que resenha! Serio, é uma das melhores resenhas que já li até hoje.
Eu não leria o livro, no momento, por que acho que não se encaixa com o que estou procurando nas minhas leituras.
Beijos
Pepper Lipstick
Valeu, Bia! Olha, é um livro que tem os ingredientes que costumam me agradar: história mais densa, sem muito enfeite nem otimismo gratuito, personagens "reais" (que não são só virtudes). Recomendo a leitura, caso em algum momento você busque por algo com essas características.
ExcluirOlá, tudo bem?
ResponderExcluirAcredita que nunca tinha parado para ler nada sobre esse livro? Bem, é meio difícil não ficar interessada depois dessa resenha, ainda mais depois de ler: "Narrativa viciante e impecável."
Beijos, Equipe CR.
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E é verdade, a narrativa é mesmo viciante, muito fluida. Combinada à trama - interessantíssima -, diria que é impossível largar o livro. =)
ExcluirAcabei de ler A Visita Cruel do Tempo semana passada. É um dos melhores livros que eu já li. Muito bem escrito. É impressionante como a Jennifer Egan consegue desenvolver os personagens e as histórias de maneiras completamente diferentes e que se conectam no livro inteiro. O capítulo "escrito" pela filha da Sasha é d+, todo em slides. Semana que vem vou começar o Olhe para mim...espero que seja tão bom quanto.
ResponderExcluirParabéns pela resenha.
Rui Dias
Oi, Rui. É um livro e tanto, mal posso esperar para ler o mais recente da autora (embora nem tenha lido O Torreão ainda). Também achei genial a ideia do capítulo em slides, diário de slides, na verdade. Muito bom.
ExcluirAline,
ExcluirO Terreão está na minha lista também. Jennifer Egan é uma das melhores escritoras desse século (e olha que ele está só começando...).
Abs.
Rui
Oi, Aline!
ResponderExcluirMe surpreendi com este livro após ler sua resenha.
Não fazia ideia de que fosse tão interessante!
É forte, hein?
Vou procurar ler!!
Realmente é uma leitura marcante, vale muito a pena!
ExcluirOlá Aline
ResponderExcluirAcabei de ler este livro e posso afirmar o quão diferente é sua leitura, mas nem ainda pouco interessante. Confesso que levei algumas páginas para entrar no ritmo do livro, porém depois de engrenado...wow!!! Amei!
Adorei sua resenha Parabéns!
Livros, Rock N' & Outros Vícios
Oi Andreia! Eu já fui com bastante sede ao pote quando li este livro, talvez por ouvir/ler tantas coisas boas a respeito. E realmente, é um p* de um livro, não? Tira um pouco da zona de conforto e é por isso que gostei tanto dele, e gosto tanto da autora. =) Obrigada, fico feliz que tenha gostado da resenha. Beijão!
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