Federico em sua sacada [Carlos Fuentes]
Carlos Fuentes 28 de março de 2014 Aline T.K.M. 8 comentáriosGosto – e por vezes preciso – de leituras que me desafiem. Lanço-me, aqui, à peripécia de expor minhas impressões a respeito de um livro que, me arrisco a dizer, com certeza terá sido o mais peculiar que li este ano. Falo de Federico em sua sacada, livro concluído pouco antes da morte do autor, o mexicano Carlos Fuentes.
Eis que surge Federico Nietzsche, em dias contemporâneos, na sacada vizinha à sua no Hotel Metropol. Com suas “grossas sobrancelhas” e “uns bigodes longos e bastos”. Os dois homens – o narrador e Federico – engatam uma conversa que toma rumos filosóficos; a partir de então uma trama é criada, personagens entram e saem dentro do contexto de uma revolução. Em paralelo, as ideias nietzschianas vão sendo reveladas e geram reflexão quando os dois senhores interrogam-se um ao outro do alto de suas sacadas.
Pelo menos, sabe se Deus morreu? – concluiu antes de retirar-se da sacada. – O que você sabe?
Nada. Qual o seu nome?
Federico. Federico Nietzsche.
Nada. Qual o seu nome?
Federico. Federico Nietzsche.
A prosa deliciosa de Fuentes traz conteúdo repleto de sutilezas, diálogos ardilosos e questões às quais nós, leitores, muitas vezes não saberíamos responder. Tudo aqui é adubo para reflexões e a subjetividade está presente aos montes; a releitura imediata de alguns trechos provavelmente se fará necessária – e, acreditem, não deve deixar de ser feita.
Um narrador – o próprio Carlos Fuentes? – e Federico (Nietzsche). E mais o quê? Aí entram em cena personagens muito alegóricos, que protagonizam fatos contados pelos dois homens, “ilustrando” reflexões a respeito de conceitos como: a justiça, a autoridade, a liberdade, o poder (e a vontade de poder), o eterno retorno de tudo... O pano de fundo: uma revolução do povo que segue por rumos atrozes e autoritários.
Dois irmãos de família aristocrata, muito diferentes entre si, cujo único elo parece ser uma mulher (filha de uma famosa atriz já falecida) que almeja uma vida a três com os irmãos – mas livre do carnal e centrada no racional e no diálogo entre os três. Saúl Mendés-Renania, um revolucionário que apresenta estigmas como feridas abertas pelo corpo, que tem uma ex-freira como companheira. Uma menina violentada pela família; um advogado que se junta aos revolucionários; um criminoso acusado de estuprar meninas; um velho doente no sótão; uma prostituta hermafrodita. Uma assembleia que pode ser um tanto traiçoeira. A cabeça do presidente cravada numa lança passeando pelas ruas.
Todos os personagens têm suas vidas interligadas e se afetam entre si. Já na sacada, o narrador se mescla ao seu interlocutor: muitas vezes não se pode distinguir o autor de cada fala. Pouco importa, pois a discussão das ideias é o que possui verdadeira dimensão no jogo complexo que é a leitura desse livro.
Federico em sua sacada é daqueles livros que fazem coçar os neurônios. Mas cuja leitura requer calma e um local livre de interrupções para que seja devidamente aproveitada.
LEIA PORQUE...
Interessante e desafiador, cheio de trechos dignos de serem anotados. Melhor ainda (embora não restritivo) para os que já leram ou conhecem algo das ideias de Nietzsche.DA EXPERIÊNCIA...
Não é um livro de digestão automática, e por isso mesmo me agradou. Apesar de nunca (ainda) ter lido Nietzsche, ouvi bastante sobre ele nos anos de faculdade e o livro fez com que me interessasse novamente em buscar alguns de seus textos para uma possível futura leitura.FEZ PENSAR EM...
Filosofia é um troço complicado, mas muito interessante. Vira e mexe dou uma espiada rápida naquele livro chamado O Livro da Filosofia, sabe aquele de capa amarela?! Algum dia ainda pretendo lê-lo...Título: Federico em sua sacada
Título original: Federico en su balcón
Autor(a): Carlos Fuentes
Tradução: Carlos Nougué
Editora: Rocco
Edição: 2013
Ano da obra: 2012
Páginas: 316
Onde comprar: Saraiva | Submarino | Amazon (edição Kindle) | Livraria Cultura (e-book)
Aline T.K.M.
Criou o Livro Lab há 12 anos e se dedicar a este projeto é uma das coisas que mais ama fazer, além de estar em contato com os mais variados tipos de expressões artísticas. Tem paixão por cinema, viajar e conhecer outras culturas. Ah, e ama ler em francês!
8 comentários
Oie, não conhecia o livro, mas sua resenha me deu um gostinho de quero lê-lo e saber tudo que se passa. >.<
ResponderExcluirAdorei a parte que tu usa "Leia porque...Faz pensar em..." Assim já ficamos sabendoo o que esperar na leitura.
Te seguindo, flor. Beijinhos.
Paradise Books
Valeu, Paula, fico feliz que tenha gostado da resenha. O livro é realmente muito bom.
ExcluirConheci seu blog hoje e tenho apenas algo a dizer: APAIXONADA!
ResponderExcluirObrigada!!! =)
ExcluirOlá Aline, não conhecia o livro, mas me chamou atenção por ter Nietzsche na história. Eu também nunca tive a oportunidade de ler um livro completo dele, mas, das poucas páginas que já li, fui muito enriquecida. Parabéns!
ResponderExcluirBjim!!!
Tammy - Livreando
Pois é, também tenho a maior curiosidade de ler Nietzsche, mas nunca fui atrás - só conheço suas ideias através do que os professores diziam e das coisas que li sobre ele na internet. Beijo!
ExcluirOii
ResponderExcluirNão conhecia o livro, mas a descrição que voce fez dele está muito perfeita. Ficou bem envolvente e deu vontade de ler.
Bom saber ...
beijos
livrosvamosdevoralos.blogspot.com.br
Obrigada! O livro é sim bastante envolvente, mas é daqueles que requer mais atenção, não é tão simples de ler. Recomendo!
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