Danny King sai de Nova York para conhecer um castelo no leste europeu a convite de seu primo Howard, com quem há anos não tinha contato. Novo dono do castelo em ruínas, Howard pretende transformá-lo num hotel peculiar e as reformas já estão acontecendo. A incomunicabilidade – o local não pega sinal de celular nem wi-fi – deixa Danny à beira do desespero; para piorar, a atmosfera misteriosa que envolve o castelo mexe com ele. Uma piscina de águas turvas que testemunhou um acidente no passado; túneis subterrâneos que levam a câmaras mórbidas; um torreão habitado por uma velha e estranha baronesa cuja família viveu no castelo por gerações... A realidade, de repente, fica tão enevoada quanto tudo o que Danny vivencia no castelo.
Se tem alguém que é capaz de entrelaçar histórias e personagens dos mais diversos, fazendo com que suas trajetórias se toquem e influenciem, esta pessoa é Jennifer Egan. Em O Torreão, a autora mescla passado e presente, realidade e fantasia, e joga tramas e personagens em estradas que acabam por conduzir a uma mesma encruzilhada.
Sim, eu disse “tramas” no plural, mesmo. Quando o leitor começa a penetrar mais fundo na história de Danny, as páginas seguintes descortinam uma segunda trama que caminha em paralelo à primeira. Esta se trata da história de Ray, detento em uma prisão, que passa seus dias a ocupar-se com um curso na cadeia – e a nutrir certa fixação pela professora.
A sensação de clausura é grande. Apesar da imensidão do castelo, Danny está preso: distante do mundo virtual, do qual é tão dependente, sem se comunicar com seus contatos nem lembrar os demais de sua existência – o fato de ter trazido consigo uma antena portátil não serviu de nada, afinal. Já Howard carrega o trauma de ter permanecido perdido e sozinho em uma caverna, resultado de uma brincadeira de mau gosto quando adolescente. E Ray, por sua vez, está na prisão, clausura física mas também mental – a mesma rotina, os mesmos lugares, as mesmas pessoas, as mesmas picuinhas. Com a clausura, a solidão vem de brinde.
Um pouco como nos demais livros da autora, os males do mundo contemporâneo se fazem presentes, costurados na história de ares góticos. A dependência por vezes doentia do ser humano com relação à tecnologia, bem como a necessidade de estar “sempre conectado” e em contato com o outro, denunciam um medo descomunal do estar sozinho. Do outro lado, temos a baronesa anciã que vive solitária no torreão, sem nunca pisar fora dali e recusando-se a deixar a propriedade que vinha sendo de sua família há 900 anos. Por cima de tudo isso, a trama nos apresenta o ser humano contemporâneo desprovido da capacidade – e da disponibilidade – da imaginação, delegando esta tarefa (a de imaginar) à indústria do entretenimento, da qual passa a ser dependente.
Se o homem perdeu o poder de imaginar, o livro, por outro lado, explora bastante o aspecto imaginativo. Realidade e especulações se confundem a tal ponto que o leitor fica à mercê das palavras da autora. Pensamos e especulamos junto dos personagens e sobre os personagens.
Sabe aquela sensação de que nada é o que parece ser? Pois bem, estamos falando de Jennifer Egan e, justamente por isso, o leitor pode esperar boas reviravoltas e surpresas. Já deliciados pela prosa da autora e acreditando nos aproximarmos do desfecho de tudo, uma terceira trama chega para nos dar algumas respostas e, de forma inteligente e saborosa, plantar-nos mais algumas dúvidas. Enfim, as interpretações e possibilidades se multiplicam do início ao fim.
Diferente e imagético, O Torreão é um livro assim, meio louco, meio sombrio, meio dramático, meio irreal, meio misterioso. E intenso. Vale a leitura e uma boa viajada antes, durante e depois. Só não vale ficar de comparação com os outros dois livros da autora lançados por aqui; publicado originalmente antes, O Torreão não alcança (na própria trama e qualidade narrativa) os excelentes Olhe para mim e A visita cruel do tempo. Ainda assim, é um livro muito bom; recomendo sem hesitar.
LEIA PORQUE...
É um livro fora do usual, que une elementos improváveis à primeira vista. Leitura gostosa, deixa o leitor matutando. Ao mesmo tempo, vejo-o como um livro que talvez não agrade a totalidade dos leitores. Conselho: mergulhe de cabeça aberta, sem amarras.DA EXPERIÊNCIA...
Não é segredo que gosto muito dos livros da Jennifer Egan. Meio diferentão dos outros dois, este aqui também me agradou: fui envolvida pela trama, e continuei percorrendo-a em pensamento mesmo depois de virada a última página.FEZ PENSAR EM...
Fluam, minhas lágrimas, disse o policial. Embora os dois livros sejam distantes com relação ao gênero e à trama, na distopia futurista de Philip K. Dick vemos um protagonista cuja realidade é extremamente questionável. A trama mexe com a percepção do real, evidencia a solidão e, assim como no livro de Jennifer Egan, faz o leitor viajar.QUANTO VALE?
Título: O Torreão
Título original: The Keep
Autor(a): Jennifer Egan
Tradução: Rubens Figueiredo
Editora: Intrínseca
Edição: 2012
Ano da obra: 2006
Páginas: 240
Onde comprar: Submarino (preço MUITO tentador!) | Americanas.com (idem!) | Fnac | Amazon (livro físico) | Amazon (edição Kindle)
Aline T.K.M.
Criou o Livro Lab há 12 anos e se dedicar a este projeto é uma das coisas que mais ama fazer, além de estar em contato com os mais variados tipos de expressões artísticas. Tem paixão por cinema, viajar e conhecer outras culturas. Ah, e ama ler em francês!
6 comentários
Nunca li este livro. Parece te ruma trama interessante. Tenho um livro da Jennifer Egan em casa, preciso ler.
ResponderExcluirBeijinhos, Helana ♥
In The Sky, Blog / Facebook In The Sky
Adoooro Jennifer Egan, a narrativa dela é daquelas que te amarra desde o primeiro parágrafo, sabe. Acho que ela sabe trabalhar muito bem os personagens, as conexões das tramas. O Torreão é muito bom, mas os outros dois são ainda melhores. Beijooo!
ExcluirOlá, tudo bem? Esse livro parece ser complicado e um tanto perturbador, rs. Mas gosto de livros que nos dão a sensação de "nada é o que parece ser". Os livros do Harlan Coben são dão isso e eu adoro.
ResponderExcluirMas, "O torreão" parece ser um daqueles que realmente nos surpreende e alcança um outro nível, além de apenas nos contar uma história.
Ah,sua resenha está ótima. Adoro quando o leitor não apenas lê, mas pensa sobre o que leu!
Super beijos <3
http://livros-cores.blogspot.com.br/
Olha, nunca li nada do Harlan Coben, sabia? Mas sempre leio/ouço falarem tão bem dele que confesso que a curiosidade é grande. Ainda pretendo ler.
ExcluirSim, O Torreão surpreende, e é daqueles livros em que o final dá abertura para várias possibilidades de interpretação (gosto disso). Obrigada, fico mesmo bem feliz que tenha gostado da resenha. =) Eu às vezes me perco em viagens quando leio, por isso gosto de colocar um pouco do que reflito quando escrevo as resenhas. Beijão!
Aline, gostei muito da proposta do livro e realmente parece diferir bastante de muitas coisas que estamos acostumados a ler. Gosto quando um livro surpreende assim!
ResponderExcluirBeijos,
Camila | www.lendoporai.com
Também gosto de ser surpreendida, e com esse livro isso realmente aconteceu. Agora mal posso esperar pelo próximo livro da Jennifer Egan que sairá logo mais. ^^ Bjs.
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