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Ronda da Noite [Patrick Modiano]

À la française 8 de junho de 2015 Aline T.K.M. Nenhum comentário


Segunda Guerra Mundial. Ocupada pelos nazistas, Paris é mórbida, sombria; é este o cenário em que um jovem sujeito se arrisca em um jogo que já sabe perdido: trabalha para a Gestapo e para a Resistência, simultaneamente.

Casas abandonadas, as pessoas deixavam Paris – já longe de ser a Cidade Luz de outrora. Pessoas estranhas, lugares também estranhos, luxos em contraste gritante com os tempos difíceis de guerra. Literalmente jogado neste ambiente, ao leitor tudo parece confuso e de compreensão dificultosa no início. Assim, meio que sem se dar conta, nosso narrador-protagonista acaba por colaborar com os gangsteres da Gestapo francesa denunciando pessoal da Resistência, enquanto participa da convivência – regada a bailes e bebidas caríssimas e exclusivas – na casa abandonada que o grupo tomou para si.

Contudo, também sem muito prever, ele vai parar no interior da O.C.S. (Organização dos Cavaleiros da Sombra), um grupo de sonhadores, idealistas que viriam a se tornar membros da Resistência. Infiltrado em ambos os grupos, ele faz o transporte de informações exatas e valiosas.

Sabemos muito pouco dele. Mergulhando em flashbacks, as coisas vão adquirindo algo – ainda que pouco – de nitidez e começamos a compreender a situação em que ele se encontra. Apelidado de Swing Troubadour por um dos grupos e de Princesa de Lamballe por outro, ao longo das páginas ele assume que, mais que um agente duplo, é na verdade um agente triplo: trabalha para os dois lados e para nenhum. É indiferente a praticamente tudo, uma vez que a dor o tomou por completo. “Menino de futuro”, pensa bastante na mãe que, a tal altura, já havia deixado a cidade e partido para Lausanne.

À parte as lacunas, nos vemos diante do ser humano por trás disso tudo. Circulando num Bentley por uma Paris esvaziada e sem cor, os bolsos cheios de dinheiro, o narrador sabe que seu fim se aproxima – chega mesmo a se perguntar como será seu assassinato. E, comparando-se a Judas, não espera por uma absolvição ilusória. O tom é sempre de uma decadência vertiginosa; o foco reside na dualidade: a consciência versus a indiferença perante o momento e a situação vivida. Ao mesmo tempo, a vida dupla lhe causa dor, sofre pela traição e confere a si próprio a vocação para as atividades suspeitas.

Escrito com maestria, não demora muito para nos percebermos diante de uma diminuta (no tamanho) obra-prima. Porém aviso que a leitura não se faz de maneira assim tão simples: como disse há pouco, leva umas boas páginas até nos situarmos e embalar-nos pelo ritmo da trama. O processo todo é recompensador: além de testemunharmos uma Paris diferente, escura – as descrições da cidade ocupada são de uma beleza triste –, ficamos um bom tempo com os resquícios da carga psicológica do protagonista.

Pertencente à “Trilogia da Ocupação”, composta por dois outros títulos não lançados por aqui, Ronda da Noite é denso e difícil de ler sem experimentar certo incômodo. Desesperançoso, o livro aponta a incerteza quanto àquilo que alguém pode vir a ser, e, com melancolia e culpa, lembra a todo instante um destino ao qual não há possibilidade nem vontade de se escapar.

LEIA PORQUE...
Abrir um livro de Patrick Modiano (Nobel de Literatura 2014) é uma experiência singular. No caso de Ronda da Noite, vale pela temática (Segunda Guerra, ocupação) e pela dimensão humana, tão individual e específica, da situação narrada.

É interessante mencionar também que o livro foi inspirado na história real dos colaboracionistas Henri Lafont e Pierre Bonny.

DA EXPERIÊNCIA...
Não é um livro fácil, fato; mas devo dizer que fui conquistada por esse peso, pela densidade da trama, e também desafiada pela percepção algo confusa do início (a sensação nas primeiras páginas é bem essa de “cair de paraquedas”).

FEZ PENSAR EM...
“Swing Troubadour”, de Charles Trenet, canção cujos trechos se espalham durante todo o livro.


QUANTO VALE?

Título: Ronda da Noite
Título original: La Ronde de Nuit
Autor(a): Patrick Modiano
Tradução: Herbert Daniel
Posfácio: Flávio Izhaki
Editora: Rocco
Edição: 2014
Ano da obra: 1969
Páginas: 128
Onde comprar: Fnac (preço ótimo!) | Livraria Cultura | Livraria Cultura (e-book) | Amazon (livro) | Amazon (edição Kindle)

Aline T.K.M.
Criou o Livro Lab há 12 anos e se dedicar a este projeto é uma das coisas que mais ama fazer, além de estar em contato com os mais variados tipos de expressões artísticas. Tem paixão por cinema, viajar e conhecer outras culturas. Ah, e ama ler em francês!

 

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