Milan Kundera nasceu em 1929 em Brno, na República Tcheca (então Tchecoslováquia), e foi naturalizado francês em 1981.
Um dos escritores europeus mais importantes do século XX, sua vida foi marcada pelas transformações políticas; Kundera assistiu à própria queda com a invasão soviética na República Tcheca. Fez parte do Partido Comunista, do qual foi expulso e readmitido um par de vezes. Perseguido pelo regime comunista implantado após a Segunda Guerra, o autor perdeu seu cargo no Instituto Cinematográfico de Praga e teve seus livros banidos no país.
Mudou-se para a França em 1975, onde foi professor na Universidade de Rennes; em 1979 foi privado da cidadania tcheca. Adotou a nacionalidade francesa em 1981, e nos anos seguintes revisou pessoalmente a tradução integral de sua obra em francês. Com exceção dos primeiros, a maioria de seus livros foram editados primeiro em francês, idioma em que o autor escreve desde 1995. “Escolhi o lugar onde queria viver e também escolhi a língua na qual queria falar”, afirmou Kundera em um texto sobre o exílio.
Best-seller em inúmeros países, Milan Kundera vive de forma reclusa, não dá entrevistas e evita se expor na mídia. Ele é crítico com relação aos escritores fascinados pelos meios de massa, que aparecem e se projetam mais do que suas próprias obras. Para ele, ninguém pode escapar inteiramente dos refletores dos meios de massa, e isso faz com que o romancista arrisque sua obra, que pode passar a ser considerada uma mera extensão de seus gestos e pontos de vista. Tem mais: Kundera defende que o romancista não é porta-voz de ninguém, nem mesmo de suas próprias ideias.
Em 2008, um episódio fez com que o escritor quebrasse o silêncio de décadas: foi acusado de delator. Segundo a acusação, em 1950 Kundera teria colaborado com a polícia comunista e denunciado um homem como espião, que foi condenado e passou 14 anos em um campo de trabalhos forçados. Kundera foi taxativo ao desmentir a acusação e teve o apoio de diversos autores, como Philip Roth, García Márquez, Nadine Gordimer, entre outros.
Introdução feita, passemos logo aos 5 motivos pelos quais vocês devem ler Milan Kundera, autor de uma das minhas maiores surpresas literárias deste ano...
"A Festa da Insignificância", o mais recente romance de Milan Kundera |
Num misto de ensaio e ficção, seus romances costumam apresentar divagações, elementos reais e fictícios que se confundem, ironia frequente e diversas vozes narrativas. Combinando humor e reflexão – e boa dose de ceticismo – o autor aborda temas densos com leveza e fluidez na forma, transitando entre a erudição e o riso. Inclusive, o próprio autor já afirmou ambicionar permanentemente a união de questões sérias à forma frívola, de forma a revelar a insignificância de nossos dramas.
Quanto à arquitetura, quase todos os romances de Kundera são divididos em sete partes. Isso, ele diz, não está ligado a superstições nem a cálculos racionais; trata-se de uma necessidade incompreensível, intensa e inconsciente; um padrão, um arquétipo formal do qual lhe é impossível fugir. A exceção se dá no livro A Valsa dos Adeuses, composto por cinco partes.
2. Kundera teve sua popularidade alavancada nos anos 80 com o sucesso de A Insustentável Leveza do Ser, obra que apresenta um triângulo amoroso iniciado em Praga na década de 60, o opressor regime comunista e o conceito do eterno retorno de Nietzsche. No livro, o autor passa pela história recente da Tchecoslováquia e coloca questões existenciais, enquanto narra a vida e o relacionamento entre os protagonistas. Personagens múltiplos, filosofia, a união de narrativa e sonho, comicidade, crítica ao comunismo e a divisão da obra em sete partes; A Insustentável Leveza do Ser traz aspectos que caracterizam o estilo do autor.
Ainda, o livro inspirou o filme homônimo de 1988, dirigido por Philip Kaufman e com Juliette Binoche no papel de Tereza. O filme A Insustentável Leveza do Ser teve duas indicações ao Oscar; quanto ao livro, posso dizer que foi uma das leituras mais significativas que já fiz na vida.
3. Dissecando o ser humano e sua existência, seus livros apresentam temas ligados à solidão do indivíduo, muito bem permeados pela História e apoiados na ironia, na falsidade embutida no poder, e no sexo. Para ele, uma cena sexual revela a essência dos personagens e resume a situação de suas vidas.
O autor também trata sobre política, totalitarismo e exílio, desmistificando os mitos de sua geração e da esquerda – tcheca e europeia, em geral. Para ele, o totalitarismo não é tão somente o inferno, mas também o sonho do paraíso. E frisa que o mal já se encontra presente na beleza, o inferno já está contido no sonho do paraíso; para compreender a essência do inferno, é preciso examinar a essência do paraíso do qual ele se originou. Inclusive, em um de seus livros, Kundera caracteriza o terror stalinista como o reino do carrasco e também do poeta. A partir da decepção, o autor se aprofunda em temas como liberdade e ética, além de tecer críticas à sociedade pós-moderna, que anseia pela novidade e cultua o superficial e o descartável.
Kundera apresenta diferentes fatos e acontecimentos conectados entre si por um tema, uma palavra, ou mesmo uma pergunta – pilar que sustenta o romance em questão. Obcecado e definido por um pequeno número de temas, curiosamente o autor disse que os títulos de seus livros poderiam muito bem ser alternados entre si: todos os seus romances poderiam se chamar, por exemplo, “A Insustentável Leveza do Ser” ou “A Brincadeira” ou “Risíveis Amores”.
4. O riso se faz sempre presente na obra do autor, seja através do humor ou da ironia. Quando entrevistado pelo autor Philip Roth nos anos 80, Kundera contou que aprendeu a dar valor ao humor quando tinha 20 anos, na época do horror stalinista. Era através do sorriso que identificava se alguém não era stalinista e, portanto, alguém a quem não precisava temer. O senso de humor se revelou um confiável sinal de identificação; desde então, aterroriza-o a ideia de que o mundo está perdendo seu senso de humor.
5. Um dos autores fundamentais da segunda metade do século XX, Milan Kundera ainda não ganhou o Nobel – é um permanente candidato. Pela totalidade de sua obra, em 1981 foi agraciado com o prêmio norte-americano Common Wealth Award, e também ganhou o Prêmio Jerusalém de Literatura em 1985, entre outros. A grande consagração veio no país que o adotou: em 2011 entrou para a prestigiosa coleção La Bibliothèque de la Pléiade, da editora Gallimard, que reúne as grandes obras da literatura mundial. Nesse verdadeiro Olimpo das letras, Kundera divide espaço com Balzac e Proust, só para citar alguns.
PRINCIPAIS OBRAS:
RomanceA Brincadeira (1967)
A Vida Está Em Outro Lugar (1973)
A Valsa dos Adeuses (1976)
O Livro do Riso e do Esquecimento (1978)
A Insustentável Leveza do Ser (1984)
A Imortalidade (1990)
A Lentidão (1995)
A Identidade (1997)
A Ignorância (2000)
A Festa da Insignificância (2014)
Contos
Risíveis Amores (1969)
Ensaio
A Arte do Romance (1986)
Os Testamentos Traídos (1993)
A Cortina (2005)
Um Encontro (2009)
Teatro
Majitelé klíčů (1962) – não publicado no Brasil
Ptákovina (1967) – não publicado no Brasil
Jacques e Seu Amo: Homenagem a Denis Diderot em três atos (1981)
Poesia
Člověk zahrada čirá (1953) – não publicado no Brasil
Aline T.K.M.
Criou o Livro Lab há 12 anos e se dedicar a este projeto é uma das coisas que mais ama fazer, além de estar em contato com os mais variados tipos de expressões artísticas. Tem paixão por cinema, viajar e conhecer outras culturas. Ah, e ama ler em francês!
6 comentários
Qual livro indica pra quem quer "conhecer" o autor e ainda não leu nenhum obra, para se introduzir no universo?
ResponderExcluirOi, olha, tenho três livros aqui comigo, mas até agora só li A Insustentável Leveza do Ser, que é o livro mais conhecido do autor (e foi por isso que optei por começar por ele). Sendo assim, recomendo muito que comece por ele também, pois com esse livro fiquei apaixonada pela escrita do autor e pretendo ler todos os livros dele, sério. Beijos.
Excluirrespondendo a Tamirovsk: comece pelo clássico A Insustentável Leveza do Ser, impossível não gostar! mas caso isso aconteça nem arrisque os outros livros dele.
ResponderExcluirbom, você sabe que sou fã, então não tenho muito o que dizer, apenas que estou lendo o quarto dele esse ano: Risíveis Amores. e estou gostando muito, nota-se nele todos os temas que ele viria abordar mais afundo em suas obras seguintes.
Shadai, boa recomendação, também disse o mesmo hehehe, mas ainda preciso ler outros do cara. Mas se já me apaixonei começando pelo A Insustentável, então acho que é uma boa maneira de começar! Pretendo ler mais dele ainda este ano, espero que o tempo seja gentil com meus planos hahaha. Risíveis Amores, hm, boa dica. Preciso ver se alguém topa trocá-lo no skoob, tô querendo tudo que é livro do Kundera! Beijo.
ExcluirEu tinha certa resistência a ler Kundera, mas uma maiga minha me convenceu. Comprei A Insustentável Leveza do Ser, e será minha próxima leitura. Sabe que estoi ansioso? kkkk Pretendo escrever sobre ele também. Espero que eu goste!
ResponderExcluirAbraços!!
Alexandre, sério, acho que você vai amar a leitura! Depois não esquece de me avisar quando já tiver escrito a resenha, ou então venha me dizer se gostou. É um livro bastante profundo, filosófico, e faz a gente pensar, pensar, pensar. Acho que depois de lê-lo você vai querer ler todos do Kundera. =) Bjs.
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