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Primavera de cão [Patrick Modiano]

À la française 6 de julho de 2015 Aline T.K.M. 4 comentários


Primavera de cão conclui a Trilogia Essencial do francês Patrick Modiano, laureado com o Nobel de Literatura em 2014. Mais uma vez realidade e ficção se fundem, resultando num romance habitado por personagens – ou pessoas reais – evasivos e, por isso mesmo, intrigantes. Em minha opinião, o melhor da trilogia, que é composta por volumes independentes entre si.

As recordações do narrador têm início na primavera ensolarada de 1964; ele tinha então dezenove anos. Está com a namorada num café na place Denfert-Rochereau quando por acaso conhece o fotógrafo Francis Jansen, que aproveita para clicar o casal para uma reportagem de uma revista americana.

Jansen e ele logo se tornam amigos, e o jovem se oferece para organizar e catalogar em cadernos vermelhos Clairefontaine todas as fotos do fotógrafo, largadas dentro de maletas em seu ateliê. Reservado e um tanto recluso, Jansen evita o contato com pessoas que um dia lhe foram próximas e não fala abertamente de sua vida. Prefere o silêncio e as reticências; é só a partir de poucas palavras e duas fotos penduradas na parede de seu ateliê que tomamos conhecimento de duas peças importantes de seu passado: Robert Capa e Colette Laurent. O primeiro foi um grande amigo e fotógrafo, e a segunda, uma antiga namorada.

Em um verdadeiro resgate das memórias daquela primavera, o narrador percorre ruas e bairros do passado, busca pessoas não mais vistas e de quem pouco sabe, e tenta juntar os pedaços de uma figura chamada Francis Jansen. Sua passagem é efêmera: no fim daquela mesma estação o fotógrafo partiria para longe e definitivamente, de forma repentina e sem jamais mandar notícias. Ficam apenas as lembranças.

Pois o narrador, ao evocar Jansen e a amizade entre eles, trata de registrar o quanto pode daquele tempo, das pessoas e lugares, numa tentativa de evitar seu iminente desaparecimento e deixando pistas que comprovem que um dia existiram. Que é o que fazia ao catalogar as fotos do amigo naquele ano de 1964, quando era um jovem aspirante a escritor. O mesmo que fazia também Jansen, fixando em imagens coisas, pessoas e locais, e nomeando-os no verso de cada fotografia.

Entre espaços vazios e a melancolia daquela primavera longínqua, é com doçura e tristeza que o narrador vai passando por situações que marcaram a breve mas intensa convivência com Jansen. Uma ex-amante e seu marido mímico de quem tentaram, o jovem e o fotógrafo, se esquivar; a silenciosa reunião de despedida com os poucos amigos que lhe restavam; uma última caminhada por Paris na véspera de sua partida; o ateliê vazio, a constatação de que Jansen havia ido embora e que já não valia a pena esperá-lo.

Sem as tantas dispersões presentes nos outros dois livros da trilogia, aqui a figura de Jansen é o ponto central do início ao fim; talvez por isso Primavera de cão ganhe um brilho ainda mais especial. Embora continuemos sabendo pouco mesmo no desfecho, passamos a nos interessar por esse cara tão vago e ausente, mas tão único, que é Jansen.

No fim, pouco importa saber aonde exatamente ele foi parar ou o que foi feito de todas aquelas fotos. No fim compreendemos, os leitores e também o narrador, que tudo consiste – como dizia o próprio Francis Jansen a respeito da função do fotógrafo – em fundir-se à paisagem, tornar-se invisível. E assim captar a luz natural. De todas as coisas.

LEIA PORQUE...
Primavera de cão é um livro de sutilezas e nuances, de solidão e melancolias.

DA EXPERIÊNCIA...
Tão simples e, ao mesmo tempo, complexo. Como disse logo no primeiro parágrafo, este foi o que mais gostei dos três livros que compõem a trilogia.

FEZ PENSAR EM...
...todas as coisas que já não existem mais.

QUANTO VALE?

Título: Primavera de cão
Título original: Chien de printemps
Autor(a): Patrick Modiano
Tradução: Maria de Fátima Oliva do Coutto
Editora: Record
Edição: 2015
Ano da obra: 1993
Páginas: 112
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Aline T.K.M.
Criou o Livro Lab há 12 anos e se dedicar a este projeto é uma das coisas que mais ama fazer, além de estar em contato com os mais variados tipos de expressões artísticas. Tem paixão por cinema, viajar e conhecer outras culturas. Ah, e ama ler em francês!

 

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4 comentários

  1. oooooi

    Mescla de ficção e realidade? Curto bastante!
    Parece ter um enredo legal. E gostei da capa.

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    Respostas
    1. A capa é linda mesmo, aliás todas as capas da trilogia. =)

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  2. Oi Aline

    Ótima resenha. Não faz muito meu estilo, pelo menos no momento, mas não conhecia a trilogia nem o autor, e gostei de conhecer o trabalho dele.
    bjs

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    Respostas
    1. Fernanda, obrigada! É, os livros do Modiano seguem uma linha bem peculiar, podem causar estranheza num primeiro momento, aquela sensação de sentir-se perdido na trama e no ambiente, mas ele escreve bonito, tem muita poesia no que ele diz. Este livro, especificamente, foi o que mais gostei da trilogia; e, como disse, a trilogia pode ser lida de forma avulsa, um livro não depende do outro. Beijos.

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