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Pergunte ao Pó [John Fante] #resenha

Charles Bukowski 25 de agosto de 2015 Aline T.K.M. 10 comentários


Ler um clássico muitas vezes me deixa algo ansiosa e me faz sentir incumbida de uma grande responsabilidade: a de captar todas as nuances da obra, de entendê-la e saber enxergar todo o seu valor. Outras tantas vezes nada disso acontece, e a leitura se dá completamente livre de amarras, com uma fluidez que não se deve apenas ao texto mas, principalmente, ao meu estado interno; aí a identificação é quase que instantânea. E foi esta segunda situação que marcou minha leitura de Pergunte ao Pó, livro mais famoso do norte-americano John Fante.

Apesar de não se identificar com o movimento, Fante é tido como um precursor da geração beat e influenciou a literatura de Charles Bukowski (que o tinha como um deus), dentre tantos outros. Inclusive, foi através do “velho safado” – que assina o prefácio do livro, aliás – que Fante começou a ganhar prestígio e foi um dos principais nomes da literatura underground americana dos anos 80.

Pergunte ao Pó traz Arturo Bandini, um jovem aspirante a escritor – um alter ego de Fante. Filho de imigrantes italianos, ele vive num quarto de hotel barato na Los Angeles da década de 30, e passa os dias a caminhar pelas ruas, vivendo e tentando acumular experiências para escrever um livro. Experiência, aliás, é coisa que lhe falta, inclusive no campo do amor. Com um conto publicado, Bandini tem dificuldade para produzir mais; além disso, tem problemas financeiros, se alimenta basicamente de laranjas (a única coisa que consegue comprar) e arrumar um emprego está fora de seus planos. O que Arturo Bandini pretende é viver de literatura, e apenas isso.

É no café Columbia Buffet que ele conhece e se apaixona por Camilla Lopez, em seu guarda-pó branco e “sapatos esfarrapados”. Bandini não aceita estar apaixonado por uma garçonete mexicana – ele próprio carrega certos problemas por ter origem italiana –, o que ocasiona uma série de ofensas e discussões entre os dois. A relação de amor e ódio é uma das frustrações de Bandini já que, apesar de amá-la, a moça ama outro homem.

Difícil não se envolver com o anti-herói ao acompanhar seu cotidiano em Bunker Hill, Los Angeles. À margem da sociedade, Bandini deixa entrever a vida difícil na Califórnia, local onde passou a viver na tentativa de se tornar um grande escritor. Tal como os novos californianos – essa gente desenraizada, triste e vazia – ele tenta ser parte da sociedade e levar a vida na cidade coberta pelo pó do deserto do Mojave.

Bandini é jovem e lhe falta maturidade. Está perdido, não sabe em qual direção seguir e quando a situação aperta além da conta é à mãe que ele recorre, em cartas um tanto otimistas, para conseguir pagar o aluguel e ter o que comer. Por outro lado, Bandini é pretensioso, gosta de esnobar e esbanjar, o que inevitavelmente faz quando tem algumas moedas a mais no bolso. Tempestuoso, o protagonista vai a extremos.

A relação com Camilla, a “princesa maia”, é das mais instigantes. Bandini não se cansa de ofendê-la, e mesmo de humilhá-la, para depois rastejar a seus pés. Dentro de si, tem consciência de que é a origem não americana e a condição social desfavorável o que o irrita nela – características que também Bandini tem em si próprio. O fato é que ele, apesar da ânsia por experiências, é temeroso das coisas da vida, e também das mulheres.

Repleta de pinceladas autobiográficas, a prosa conquista pela agilidade e franqueza. Em primeira pessoa, desfilam ante os olhos do leitor experiências e sentimentos muito pessoais, que ganham forma através do texto ausente de refinamento. O que predomina é a fluidez, um jorrar de palavras que, beirando a imprudência, faz transbordar verdade e sentimento.

Se o entorno parece estático e sem muita vida (empoeirado mesmo), os personagens têm movimento, complexidade, humanidade. E não me refiro apenas a Bandini e Camilla; um dos personagens que mais me chama atenção, aliás, é Hellfrick. O vizinho excêntrico de Bandini costuma perambular vestindo um roupão, vive pedindo dinheiro emprestado, tem mania de gim e desenvolve uma tremenda fixação por carne – seja ela na forma de um suculento bife ou ainda no corpo de um bezerro ensanguentado.

Imperdível, sobretudo para os fãs da literatura beat, Pergunte ao Pó fala das angústias e medos de uma juventude perdida em meio a um sonho americano já desbotado de suas cores. Durante todo o trajeto e a cada dia, a cruel constatação: a imagem daquilo que almejamos ser quase nunca é compatível com a imagem do que realmente somos.

LEIA PORQUE...
Você certamente vai gostar MUITO se: estiver nos seus 20 e tantos anos (ou vinte e todos, como é o meu caso, ou mais), identificar-se com os autores da geração beat, ou simplesmente estiver buscando uma leitura marcante.

DA EXPERIÊNCIA...
Livro simples e, ao mesmo tempo, incrível. Amei o desfecho, não poderia ter sido melhor. Gostei tanto que levei nova injeção de empolgação para ler dois autores que há anos estou planejando ler: Kerouac e Bukowski.

FEZ PENSAR EM...
Trainspotting, de Irvine Welsh. Leitura recente, aí também – só que de um jeito bem diferente – temos um retrato de uma juventude às margens e perdida. Em Trainspotting, vemos um grupo de jovens junkies e sem rumo na Edimburgo dos anos 90.

QUANTO VALE?

Título: Pergunte ao Pó
Título original: Ask the Dust
Autor(a): John Fante
Tradução: Roberto Muggiati
Prefácio: Charles Bukowski
Editora: José Olympio
Edição: 2015 (13ª edição)
Ano da obra: 1939
Páginas: 208
Onde comprar: Casas Bahia | Fnac | Americanas | Submarino | Amazon (livro físico) | Amazon (edição Kindle)

Aline T.K.M.
Criou o Livro Lab há 12 anos e se dedicar a este projeto é uma das coisas que mais ama fazer, além de estar em contato com os mais variados tipos de expressões artísticas. Tem paixão por cinema, viajar e conhecer outras culturas. Ah, e ama ler em francês!

 

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10 comentários

  1. Oi, Aline!
    Que capa lindaa! Não conhecia o livro e muito menos que o Bukowski gostava tanto do autor (e olhe que gosto muito dele haha), já fiquei interessada. Mas, a premissa e tudo que ele aborda me despertou atenção, tenho quase certeza que irei me dar bem com ele. Adorei!

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    1. Olha, foi um livro que me surpreendeu, viu! Não fazia quase ideia do que esperar dele, mas claro que me chamou atenção o prefácio do Bukowski, logo pensei "aí tem coisa, e é das boas!" hehehe. Recomendo muito, vale a pena ler. E sim, a capa é incrível, o selo José Olympio (da ed. Record) acabou de lançar. =) Beijos.

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  2. Oi Aline, esse livro é bom, tenho uma edição dele bem antiguinha, e tu me fez querer reler novamente, pois quase não recordo da história.

    Beijinhos, Helana ♥ ♥
    In The Sky, Blog / Facebook In The Sky

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    1. Eu realmente me surpreendi com esse livro, gostei demais. Por isso fiquei até mais animada para ler mais literatura beat, acho que vou me identificar e gostar muito. Beijinhos!

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  3. Li essa semana e gostei.
    Uma história simples e até às vezes estranha, mas com uma escrita sem refinamento mas muito boa e acessível.
    Não sou nada familiarizado com a geração beat, ainda preciso ler, mas sei do fascínio dela.

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    1. Sabe que sou uma grande curiosa a respeito da geração beat. Tenho On the road na estante há um tempinho p/ ler, mas não sou a pessoa mais por dentro do assunto. Às vezes, quando sobra um tempinho, eu pesquiso sobre esses "movimentos" que influenciaram a literatura, me interesso por tudo o que tenha a ver com contracultura, mas ainda tenho muito a ler e pesquisar rsrs. Sobre o livro, eu gostei muito. Escrita simples, direta, e intensa no que diz respeito ao amor-ódio-amor pela garota Camilla...

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  4. '(...)vai gostar MUITO se: estiver nos seus 20 e tantos anos'.Perfeito. Depois disso, Arturo Bandini e Camilla tornam-se insuportavelmente rasos. A narrativa revela-se confusa e a impressão é que o romance foi escrito às pressas -- em torno da cena final. O mesmo ocorre com Bukowski -- é uma leitura juvenil e sem maiores pretensões literárias. Vale como entretenimento.

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    1. Oi, José! Realmente acho que os personagens dialogam mais com o pessoal em seus 20 e tantos anos, mas veja, eu li o livro na época já aos 29 e não me pareceram rasos. Claro que é esperado que muitos dos conflitos experimentados por eles já não se relacionem diretamente à vida de um leitor de mais idade, mas nos remetem a toda a bagagem que coletamos ao longo do tempo e até é possível que, para além do entretenimento, nos brinde com uma visão mais ampla e completa em muitos sentidos da trama e dos personagens.

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  5. Sobre o que disse o José em seu comentário: Jamais li um livro que não pudesse me passar alguma lição de vida, e acredito que as pessoas que assim pensam, talvez não tenham conseguido compreender a mensagem que a história traz, seja por falta de interesse à leitura, por não submergir no sentido de entrega, incapacidade de ler nas entrelinhas ou até mesmo de aprender com a experiência narrativa que é passada através do locutor quando mostra a realidade nua e crua de cada personagem, da atmosfera que os rodeia, e também de seus excessos que ao seu fim produzem resultados um tanto negativos àqueles que compõem a trama. No caso de Bandini, que não queria apenas viver um dia de cada vez, sobrevivendo em meio ao caos, suas atitudes ou até mesmo a falta delas, impediam ou no mínimo postergavam seu objetivo que era o de ser reconhecido como um grande escritor, realidade que apenas existia em seu ego até então, pois carecia de grandes realizações no campo da literatura. Como não refletir ou não tirar lições de tudo isso? Então, dependendo do tipo de olhar, com certeza este livro é muito, mas muito mais do que um "simples entretenimento". Parabéns Aline pelo seu texto, pois captou muito bem a essência do livro. E sobre a narrativa, é certo que há um frenesi, que inicialmente tive dificuldades de acompanhar, tive até que retornar em algumas partes para entender, me fazendo pensar que a trama seria um tanto confusa, porém, me mantive aberto e segui em frente, e tanto no decorrer quanto ao final, fui presenteado com a oportunidade de concluir com satisfação a leitura desta grande obra. Abraço fraterno, Aline e tudo de bom pra você!

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    1. Oi Eduardo, muito obrigada por seu comentário! Concordo com o que você disse, esse é o tipo de leitura que passa muito mais para o leitor do que simples entretenimento (e também não vejo mal algum em leituras cujo propósito seja apenas o de entreter). Gostei muito da trajetória do protagonista, dos conflitos que ele enfrenta dentro de si, da luta para sobreviver fazendo algo em que ele minimamente acredita. Também tive essa experiência, alguns trechos me pareciam confusos às vezes, exigindo um olhar mais atento, mas certamente esse é um livro que recompensa muito o leitor. Um abraço!!

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