Adoro os livros do David Nicholls e tenho Um Dia como um livro muito querido e que me marcou bastante. Então, logo que pus as mãos em Nós, já soube que iria gostar do livro. Só não imaginava que iria gostar tanto assim.
Nós é narrado por Douglas, um bioquímico de 54 anos, casado há 25 com Connie – mulher das artes e da cultura – e pai de Albie há 17. Com o filho prestes a sair de casa para começar a faculdade, Douglas se depara com o inesperado: Connie comunica que deseja se separar.
No entanto, nada precisa ser de imediato, uma vez que a família tem programada uma viagem pela Europa – o Grand Tour – cujo maior objetivo é percorrer alguns museus, admirar determinadas obras de arte e proporcionar ao filho certa bagagem cultural e artística. Para Douglas, é também uma oportunidade de se aproximar do filho adolescente, de quem se distanciou ao longo dos anos, e de tentar fazer com que a mulher volte atrás na ideia da separação. Seguindo o itinerário montado por Douglas, a viagem acontece com uns tantos percalços; os três se desentendem grande parte do tempo, e a falta de um vínculo verdadeiro entre Albie e o pai torna as coisas ainda mais difíceis.
Presente e passado se intercalam na narrativa; enquanto acompanhamos o desenrolar do Grand Tour e dos dilemas atuais do protagonista com relação à família e ao casamento, também percorremos o passado através de flashbacks nostálgicos e um tanto bem-humorados. Ficamos sabendo sobre o início do relacionamento com Connie – toda a delícia da paixão e do início do amor –, o casamento, a chegada de Albie e a relação pais e filhos. Inseridos nessa trajetória encontram-se os traumas e tristezas, as irritações, os silêncios... tudo aquilo que faz parte de um casamento, afinal.
Quem já leu David Nicholls deve concordar que o autor fala de relacionamentos com maestria, ao contrapor toda a parte dramática e conflituosa com um humor muito verdadeiro – e até irônico, em determinados momentos. Em Nós isso fica bastante evidente; ao rememorar sua vida, Douglas analisa os fatos de forma ora melancólica ora cômica, ao mesmo tempo em que enfrenta cicatrizes e novas feridas no presente, com a provável perda da esposa e o fato de nunca ter sido próximo do filho – que sempre foi mais ligado à mãe.
Um filho que deixa a casa dos pais, casa que de repente se torna grande demais. O maior elo de ligação entre seus habitantes já não está lá e, de súbito, aquela estrutura fica desprovida de todo o sentido. A “síndrome do ninho vazio” é muito clara na trama, mas não é a principal responsável pelo desmoronamento do mundo dos personagens; as questões já estavam lá, latentes, e a partida e independência de Albie só fez explodir o que provavelmente já estava sob pressão.
O cara solitário, não exatamente um exemplo de sociabilidade, que não era tanto das festas e que adquiriu toda uma educação artística e cultural da mulher ao longo da relação; esse cara, Douglas, divaga e vai por vias geniais, nem sempre otimistas mas muito honestas. Do casamento à infidelidade, do tédio à prole que o despreza, as considerações de Douglas reverberam na mente do leitor.
No dia seguinte ao casamento, você vai caminhar de mãos dadas por um grande e amplo planalto e, ao longe, vê obstáculos espalhados, mas há também prazeres, pequenos oásis, se preferir: os filhos que você vai ter e que vão crescer saudáveis, amorosos e fortes, os netos, as manhãs de Natal, os feriados, a estabilidade financeira, o sucesso no trabalho. Fracassos, também, mas nada que possa matá-lo. Portanto, há altos e baixos, ondulações na planície, mas dá para antever a maior parte do que vem pela frente e vocês andam em direção àquilo, de mãos dadas durante trinta, quarenta, cinquenta anos, até que um dos dois morre e o outro se vai logo em seguida. Do ponto de vista de uma criança, era assim que o casamento parecia ser.
Bem, agora posso dizer que a vida de casado não é de modo algum um planalto. Há ravinas, grandes picos irregulares e fendas ocultas, que fazem os dois tatearem em meio à escuridão. Depois, há trechos sem brilho, ressecados, que você acha que nunca vão acabar, e grande parte do percurso é repleto de silêncio, e, às vezes, não dá para ver mesmo a outra pessoa, outras vezes, ela se distancia muito de você, ficando praticamente fora de vista, e a viagem se torna difícil. Muito, muito, muito dificil.
Bem, agora posso dizer que a vida de casado não é de modo algum um planalto. Há ravinas, grandes picos irregulares e fendas ocultas, que fazem os dois tatearem em meio à escuridão. Depois, há trechos sem brilho, ressecados, que você acha que nunca vão acabar, e grande parte do percurso é repleto de silêncio, e, às vezes, não dá para ver mesmo a outra pessoa, outras vezes, ela se distancia muito de você, ficando praticamente fora de vista, e a viagem se torna difícil. Muito, muito, muito dificil.
Em paralelo às questões de Douglas, o livro traz outros pontos superbacanas. Um deles é a viagem, o Grand Tour; a passagem por Paris, Amsterdã, Veneza, Barcelona... uma delícia para quem curte histórias em que viagens exercem um papel importante. E o trajeto não vem desacompanhado: seguimos os passeios aos museus e também somos levados a mergulhar um pouquinho na arte, nas obras contempladas pelos personagens.
Quanto mais Douglas revive o passado e encara o presente, ele percebe: as histórias são vistas, vividas e contadas a partir de diferentes perspectivas. Nossa história é central somente para nós mesmos; para o outro – alguém que foi parte crucial da nossa história – ela pode ser apenas um capítulo dentre tantos, um desvio no curso esperado das coisas. Não sei vocês, mas essa ideia (tão verdadeira) me deixa um tanto ansiosa-reflexiva-melancólica-perdida.
Inteligente e com um desfecho que eu chamaria de perfeito, Nós é um livro sobre amadurecer, casamento, amor, filhos, sobre envelhecer, a implacabilidade do tempo, a morte. E, principalmente, é um livro sobre a vida.
LEIA PORQUE...
Nós seria, possivelmente, a continuação real de muitas das histórias de amor YA que costumamos ler.DA EXPERIÊNCIA...
Incrível, incrível, incrível. Dá uma leve sensação de desamparo e descrença na vida em alguns momentos, mas quem disse que todo gramado é – ou tem de ser – florido o tempo todo?FEZ PENSAR EM...
Em tom de conversa e a continuação, Amor, etc QUANTO VALE?
Título: Nós
Título original: Us
Autor(a): David Nicholls
Tradução: Alexandre Raposo
Editora: Intrínseca
Edição: 2015
Ano da obra: 2014
Páginas: 384
Onde comprar: Fnac | Saraiva | Submarino
Aline T.K.M.
Criou o Livro Lab há 12 anos e se dedicar a este projeto é uma das coisas que mais ama fazer, além de estar em contato com os mais variados tipos de expressões artísticas. Tem paixão por cinema, viajar e conhecer outras culturas. Ah, e ama ler em francês!
9 comentários
Oi Aline!
ResponderExcluirQue delícia a sua resenha!
Tenho ouvidos muitas coisas boas sobre esse livro. Livros com "dramas" familiares costumam chamar muito a minha atenção.
Recentemente acabei de ler Precisamos falar sobre o Kevin, e, pelo que li em sua resenha, podemos fazer um paralelo entre os dois sim. A relação entre pais e filhos é muito presente nele.
Adorei a passagem "Incrível, incrível, incrível. Dá uma leve sensação de desamparo e descrença na vida em alguns momentos, mas quem disse que todo gramado é – ou tem de ser – florido o tempo todo?" da sua resenha! Rs... Isso faz muito sentido!
Beijos!
Fabi Carvalhais
http://www.pausaparapitacos.blogspot.com.br
Oi Fabi! Obrigada! Também gosto muito de livro sobre dramas cotidianos/familiares; achei simplesmente animal Precisamos falar sobre o Kevin e outro que eu também gosto muito nessa linha é O Jantar, do Herman Koch. Beijão! ^^
ExcluirDavid Nicholls = ♥
ResponderExcluirMuita gente detesta o autor, mas eu o acho sensacional. Mal posso esperar para ler esse livro.
Gosto muito dele, é um dos meus autores best-sellers preferidos. Olha, leia esse livro, é MUITO bom. =)
ExcluirOlá, tudo bem?
ResponderExcluirAdoro o David Nicholls desde que li Um dia! Estou louca para ler Nós <3 Sua resenha ficou maravilhosa!
Seja bem vinda ao meu blog: http://meusdespropositos.blogspot.com.br/
Beijos!
Oi Alyne, obrigada! Um Dia é um livro superespecial para mim, consigo me enxergar muito em alguns dramas da Emma, sabe (essa coisa de não se achar nunca na carreira e tals, de não confiar muito em si mesma). Se você curtiu com certeza vai gostar de Nós, recomendo demais. Beijos!
ExcluirOlá, tudo bem?
ResponderExcluirAdoro o David Nicholls desde que li Um dia! Estou louca para ler Nós <3 Sua resenha ficou maravilhosa!
Seja bem vinda ao meu blog: http://meusdespropositos.blogspot.com.br/
Beijos!
O livro deve ser lindo. Gosto de ler histórias familiares, são sempre muito interessantes e me tocam profundamente.
ResponderExcluirBeijinhos, Helana ♥
In The Sky, Blog / Facebook In The Sky
Usando as palavras do post, esse livro é muito incrível, recomendo sem dúvida. Mais que bonito, ele é espirituoso, tem personalidade, e coloca humor em meio ao drama da situação. Além disso, faz refletir sobre a vida, o tempo, os relacionamentos. Enfim, leitura obrigatória. ^^ Beijosss!
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