- Quando penso naquela época, o que mais me lembro é da sensação de que nada podia dar errado para mim. – Ele se virou para Phoebe com um sorriso duro. – Isso é arrogância.
- E como a ironia se encaixa aí? – perguntou Phoebe.
Wolf sorriu novamente.
- Explode em pedaços.
- E como a ironia se encaixa aí? – perguntou Phoebe.
Wolf sorriu novamente.
- Explode em pedaços.
No limbo. É assim que Phoebe vinha levando sua vida desde menina. Faith, a irmã mais velha, sempre foi a protagonista das pinturas e da vida do pai; restava a Phoebe e Barry, o irmão do meio, o papel de meros coadjuvantes. Lidar com a morte do pai ainda na infância altera profundamente a dinâmica familiar e, anos mais tarde, é Faith quem os deixa para sempre. Durante uma viagem com o namorado, a adolescente se suicida de maneira misteriosa na Itália.
São Francisco, 1978. Oito anos após a morte de Faith, Phoebe decide largar tudo e ir à Europa com o objetivo de refazer o roteiro da irmã antes do suicídio. Utilizando como guia os vários postais enviados por Faith, a garota de dezoito anos pretende ir atrás da verdade, do que realmente há por trás da morte da irmã.
Inglaterra, Holanda, França, Alemanha, Itália; a jornada, na realidade, vai rumo ao autoconhecimento. Determinada, mas ainda uma ingênua menina no fim da adolescência, Phoebe prova o gostinho de um outro mundo, do “mundo real”, onde a liberdade caminha lado a lado com o desconhecido. Um mundo onde há drogas, solidão – sua velha conhecida há anos – e ameaças terroristas.
O fato é que Phoebe nunca superou a perda do pai e da irmã, figuras que permaneceram envoltas em aura quase mística nos anos que se seguiram. A garota tinha em Faith um modelo; perdê-la fez com que sua vida perdesse o sentido, de certa maneira. Habituada a ser ofuscada pela irmã na infância e tendo reprimido sentimentos negativos, ainda assim Phoebe idolatrava Faith, passando mais tempo em seu quarto (mantido do mesmo jeitinho de quando a garota era viva) e com suas coisas do que vivendo a própria vida.
Phoebe perguntava-se por que, durante toda a sua vida, as coisas que ela mais queria já pertenciam a outra pessoa.
Em seu primeiro romance, Jennifer Egan – autora do premiado A Visita Cruel do Tempo – acerta ao trazer personagens complexos em uma densa trama de autodescoberta, que evoca uma época tão atraente quanto decisiva. O mundo do fim dos 60 e da década de 70 assistiu ao movimento hippie, às manifestações estudantis, à defesa das minorias, à liberação feminina. Mas é já na antessala dos anos 80 que Phoebe sai para o mundo, numa tentativa de compreender aqueles anos e o destino da irmã mais velha.
O tempo nunca parou, ele só pareceu ter parado.
Encontros significativos, viagens de trem, passeios em catedrais e parques, o itinerário europeu se une às referências a elementos históricos, como a menção ao Festival Human Be-In e a abordagem de movimentos de guerrilha de esquerda. Ah, e música, muita música – sempre presente nos livros da autora. King Crimson, Jefferson Airplane, Janis Joplin e Pearl Harbor and the Explosions, entre outros, se revezam nas vitrolas e incrementam a atmosfera da história.
Entre as memórias doloridas e o desmoronamento do pedestal em que colocara o pai e a irmã, Phoebe amadurece. Antes presa ao passado e a uma vida que não era a sua, a jovem encontra o expurgo, a purificação de que necessita para deixar o passado para trás.
Com ótimos diálogos e certa nuance sombria, Circo Invisível é um livro sobre perdas, sobre uma época, alguns lugares e pessoas. Um livro sobre o mundo e sobre a importância de deixar algumas coisas para trás para se poder seguir adiante.
LEIA PORQUE...
Circo Invisível comprova que Jennifer Egan manda muito bem desde sempre. DA EXPERIÊNCIA...
Envolvente do início ao fim. Tudo o que Egan escreve merece muitos corações, essa é a minha conclusão.FEZ PENSAR EM...
Tramas com viagens, como Nós, de David Nicholls. E livros sobre juventude, memórias, o tempo e o amadurecer, como O sentido de um fim, de Julian Barnes.QUANTO VALE?
Título: Circo Invisível
Título original: The Invisible Circus
Autor(a): Jennifer Egan
Tradução: Fabiana de Carvalho
Editora: Intrínseca
Edição: 2015
Ano da obra: 1995
Páginas: 320
Onde comprar: Fnac | Livraria Cultura
Aline T.K.M.
Criou o Livro Lab há 12 anos e se dedicar a este projeto é uma das coisas que mais ama fazer, além de estar em contato com os mais variados tipos de expressões artísticas. Tem paixão por cinema, viajar e conhecer outras culturas. Ah, e ama ler em francês!
2 comentários
Muito boa a sua resenha, Aline. Deu vontade de ler.
ResponderExcluirGostei muito do seu blog.
Bjs,
Obrigada, Patricia! Se tiver chance leia sim, o livro é muito bom, a trama prende. Gosto muito dos livros da Jennifer Egan. <3 Beijooo.
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