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Resenha: Melancolia, de Jon Fosse

Jon Fosse 15 de maio de 2016 Aline T.K.M. 3 comentários


O norueguês Lars Hertervig (1830-1902) é considerado hoje um dos maiores nomes da pintura nórdica. Desde jovem, quando estudava arte em Düsseldorf, sofria de crises nervosas. Após ter passado um período em um manicômio, Lars viveu de caridade até o fim de seus dias.

O parágrafo acima é real. Lars Hertervig realmente existiu e é sobre esse seu transtorno nervoso que se debruça o autor de Melancolia, o também norueguês Jon Fosse. Um favorito ao Nobel, além de ficcionista, Fosse é poeta e dramaturgo, sendo um dos autores mais encenados na Europa – tem em Samuel Beckett sua maior influência.

Mas não pense que este livro se trata de uma biografia ou, ainda, de um romance histórico – o autor, aliás, abomina o gênero. Melancolia representa um mergulho por caminhos labirínticos e cheios de armadilhas da mente humana – no caso, a de Lars Hertervig.

O livro nos transporta a três momentos distintos, todos apresentando a figura do pintor como referência. No primeiro deles, acompanhamos um dia na vida do estudante Hertervig em Düsseldorf. Um dia não muito fácil, pois ele deixa de ir ao curso por temer críticas a seu quadro, que seria avaliado por seu mestre. De origem humilde e quaker, Hertervig tem a oportunidade de estudar na Academia de Belas-Artes de Düsseldorf graças a um mecenas que vê nele um grande potencial na pintura. Nesse dia, o jovem pintor fica sabendo que terá de deixar o quarto onde vive e se vê diante da impossibilidade de concretizar seu amor pela garota Helene. Mais adiante, encontramos Hertervig no manicômio de Gaustad, ainda obcecado pela paixão juvenil e tomado pelo desejo de fuga.

O martírio do pintor revive na narrativa de Jon Fosse, composta por monólogos internos. Em fluxo de consciência, o autor desenvolve toda a angústia e a obsessão do protagonista com relação a um amor que ora se assemelha ao ódio, ora se torna uma adoração incondicional. A fixação de Hertervig é revelada por meio da repetição incansável na narrativa – preocupações, devaneios ou apenas pensamentos, quase sempre obsessivos, fazendo com que o leitor seja sugado para dentro da mente do pintor.

Em um segundo momento, já no fim do século 20, vemos um escritor – provavelmente de inspiração autobiográfica – interessado em escrever sobre Lars Hertervig.

Por último, e na segunda parte do romance – a edição é composta pelos livros Melancolia I e Melancolia II – voltamos no tempo e conhecemos uma senhora já bem idosa chamada Oline, que vem a ser a irmã mais velha de Hertervig. Oline sobe a encosta e leva dois peixes que serão sua refeição mais tarde naquele dia. A bengala, o pé que dói tanto, e ainda por cima a urgência de ir ao banheiro – ou à casinha, uma vez que banheiros eram raros à época. No meio do caminho, encontra a cunhada que lhe avisa que o outro irmão está à beira da morte e quer trocar algumas palavras com ela antes de partir.

Por meio de Oline, retornamos uma vez mais à angústia em um fluxo de pensamentos também repetitivos, tomados pela confusão senil. O passado recente escapa a Oline, que, no entanto, passa longos momentos a relembrar a infância ao lado do irmão Lars, já falecido. O garoto Lars nunca fora muito comum e a mente de Oline transborda lembranças de histórias que mostram a extrema sensibilidade do irmão, além da necessidade que ele tinha de se isolar. Sem fronteiras delimitadas, a mente de Oline passeia entre o passado distante, o qual ela reconstrói em detalhes, e um presente tomado por lacunas e esquecimentos.

Jon Fosse revela maestria ao intercalar histórias diferentes em tempos diferentes, girando em torno de um eixo comum – as perturbações mentais em confronto com a genialidade do pintor Lars Hertervig. A repetição obsessiva é a característica central da narrativa, que deixa entrever aqui e ali alguns raros momentos de lucidez. Da maneira como nos é apresentada e tão bem executada pelas mãos de Fosse, essa viagem à consciência de Hertervig e Oline é fundamental para compreender a condição dos personagens – e emociona em sua profundidade e sensibilidade.

Denso e introspectivo, Melancolia traz contrastes – a confusão e a lucidez, o claro e o obscuro – e uma beleza indiscutível, ainda que não óbvia, que exige do leitor um olhar mais atento. Não se trata de uma leitura fácil; vários poréns podem e vão surgir, mas, uma vez derrubada a barreira das primeiras impressões e achado um ritmo ideal de leitura, o resultado é recompensador, acreditem.

LEIA PORQUE
A narrativa é feita de monólogos internos e isso possibilita entrar na mente dos personagens, entender sua linha de pensamento (parecem viver em um mundo à parte, ensimesmados), suas motivações, o mal de que sofrem. E, principalmente, mergulhar na espiral angustiante em que se encontram. Recomendaria especialmente para quem gosta de tramas psicológicas e carregadas de tristeza.

DA EXPERIÊNCIA
Confesso que a leitura aconteceu de forma arrastada em vários momentos, mas fluiu muito naturalmente em outros. Como eu disse lá no último parágrafo, basta apenas encontrar o ritmo adequado e mais confortável. A segunda parte, com a história de Oline em primeiro plano, foi a que mais me tocou.

FEZ PENSAR
A capa do livro traz essa imagem que eu visualizava a todo instante durante a leitura, e não à toa: trata-se de uma pintura de Lars Hertervig – tirando a mocinha do cabelo perfeito – na qual ele retrata uma paisagem de Borgøya – ilha norueguesa onde nasceu.



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Título: Melancolia
Título original: Melancholia I-II
Autor(a): Jon Fosse
Tradução: Marcelo Rondinelli
Editora: Tordesilhas
Edição: 2015
Ano da obra: 1995/96
Páginas: 404

Aline T.K.M.
Criou o Livro Lab há 12 anos e se dedicar a este projeto é uma das coisas que mais ama fazer, além de estar em contato com os mais variados tipos de expressões artísticas. Tem paixão por cinema, viajar e conhecer outras culturas. Ah, e ama ler em francês!

 

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3 comentários

  1. Oie!

    Mulher, estou lendo este livro e estou melancólica. Como vi que você resenhou, vim ver o que esperar daqui pra frente.

    Cara, tenho certeza que vai valer a pena.

    É essa narrativa de repetição que me incomoda, mas acho que este incomodo vai passar.

    Agora estou curiosa para chegar no Melancolia II.

    Bjkssssss

    Lelê

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    Respostas
    1. Oi Lelê, ahhh demorei demais para conseguir vir aqui responder. =X Mas e aí, o que achou do livro? Realmente essa repetição é incômoda e ela é constante em todo o livro. Esse livro é bem difícil de definir, de falar sobre, eu acho. Ele é muito bom, mas é muito peculiar, tem esses pontos isolados que podem parecer negativos, como a repetição, mas que fazem sentido no contexto de tudo. Enfim, vou passar no seu cantinho para ver se já resenhou! Beijos.

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  2. Ainda da não li o livro. Mas está na lista agora que o autor ganhou o Nobel. Parabéns pela bela resenha.

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