Resenha: O Último Santo, de Rafael Padilha
Literatura brasileira 28 de outubro de 2016 Aline T.K.M. Nenhum comentário
Vou confessar uma coisa para vocês – eu adoro um bom thriller policial. E quando toda aquela parte de mistério e violência vem acompanhada de questões psicológicas, aí o livro me ganha de vez! Com O Último Santo, do brasileiro Rafael Padilha, aconteceu bem isso e vou explicar o porquê.
Vamos começar do início. A trama se passa no Rio de Janeiro dos dias atuais e Jorge, o protagonista, é uma espécie de bandido justiceiro, que mata sem dó criminosos de tipos variados na Cidade Maravilhosa. Logo nas páginas iniciais, ele “apaga” uns tantos homens do bando de Gargamel, que é quem comanda o tráfico na favela da Serra. Jorge faz o serviço e escapa ileso, e é aí que entra uma variável importante na história.
Jorge não mata sozinho. Ele é guiado e orientado por São Jorge – o santo mesmo –, que o protege e tem estado a seu lado desde garoto. Iluminado pelo santo guerreiro e nutrindo uma grande fé religiosa, Jorge acredita que sua missão é “limpar” a cidade, exterminando aqueles que são responsáveis pela violência cada vez maior que assola o Rio. Só que seu método de combater a violência é agindo também com violência.
Incrivelmente ou não, Jorge logo se torna uma lenda viva na cidade, apelidado de Santo pelo povo e pela mídia. Ao mesmo tempo, chama a atenção das autoridades e é procurado pela polícia, que passa a dedicar cada vez mais tempo ao caso – as ações de Jorge, ovacionadas por grande parte da população e sob os holofotes ultrassensacionalistas da imprensa, apontam a impunidade da justiça, e o descaso e a corrupção dentro da polícia.
Baderna montada. Apenas Ramos, um policial investigativo detalhista e com um enorme senso de justiça e retidão, é capaz de enxergar um padrão e significados no modus operandi de Jorge. Enquanto tenta combater a corrupção dentro da própria corporação – uma meta um tanto utópica –, Ramos se debruça sobre o caso de Santo com a ajuda de seu parceiro, o impulsivo Andrade, e da atraente psiquiatra da polícia militar, a Dra. Priscila Gatto.
Para complicar o trabalho dos policiais, Marcelo Sobral, um jornalista da imprensa marrom, não mede esforços para conseguir “a” matéria que o fará ascender na profissão e faz questão de publicar notícias sensacionalistas sobre o caso.
Repleto de ação – e sangue, muito sangue! –, o livro mostra um Rio de Janeiro despido do véu de brilho e idealização que costuma ganhar (merecidamente) desde sempre. Dos morros às calçadas do Leblon, a cidade é palco para os cadáveres ensanguentados ao lado de mensagens que revelam a fé desmedida aliada ao extremismo e à falta de tolerância.
Ao trazer para perto do leitor a popular e cultuada figura de São Jorge, O Último Santo dá um breve mergulho na cultura religiosa dos brasileiros, na qual o catolicismo divide espaço com as religiões africanas e seus deuses. Aparentemente inabalável, e justamente por isso, a fé é questionada diante das mazelas da vida e do cotidiano do Rio de Janeiro de Rafael Padilha. Somos realmente protegidos por poderes divinos ou estamos vivendo um destino ditado apenas pelas leis da ciência?
A violência e o tráfico, a corrupção nas instituições, o jogo das autoridades políticas, a opinião da Igreja, dividida, em relação ao justiceiro que mata com respaldo na fé. Intercalados a tudo isso, flashbacks percorrem a mente de Jorge como um filme – imagens de sua infância, o amor pela mãe e as primeiras experiências envolvendo a aparição de São Jorge.
Como vocês já devem ter percebido, as quase 500 páginas do livro trazem uma trama ardilosa e bem pensada. O mistério se sustenta até quase o final – algumas nuances deixam entrever a charada aos poucos, de um jeito delicioso. O thriller ainda se apoia em questões psicológicas importantes – lembra que eu disse lá no comecinho? – e tem uma forte carga emocional, trazendo ainda mais camadas aos personagens.
Além do ritmo intenso, o livro toca em temas muito reais para nós, brasileiros. Temas como a justiça, a violência e a fé são terrenos férteis para reflexões, inclusive a nível pessoal – muitos trechos nos fazem confrontar nossas próprias verdades. Assim como a população carioca do livro, também ficamos divididos, mudando de lado a todo instante. Além disso, as ambiguidades e contradições, características tão presentes no Brasil, deixam tudo mais real e complexo.
O Último Santo nos joga no meio de uma cidade dominada pelo tráfico, onde prostitutas são exploradas toda noite, tiroteios são uma constante nas favelas e a polícia nem sempre está do lado do bem. Mas também estamos em um lugar de gente que tem fé, que vive dias difíceis e de privações, que ainda espera a proteção da polícia, do governo e também da providência divina. Uma cidade de gente que luta como pode para combater o mal, que perde pessoas queridas e que questiona suas próprias crenças.
Com altas doses de adrenalina e sangue nos olhos, O Último Santo descortina uma trama que é mais assustadora do que parece, em um lugar que é o inferno e o paraíso a um só tempo. Um lugar onde o ser humano é, acima de tudo, humano, com seus milhares de falhas e um longo caminho a percorrer.
Este post foi patrocinado por um autor que confia no trabalho do blog. O conteúdo é de autoria e reflete em sua totalidade a opinião do Livro Lab.
Vamos começar do início. A trama se passa no Rio de Janeiro dos dias atuais e Jorge, o protagonista, é uma espécie de bandido justiceiro, que mata sem dó criminosos de tipos variados na Cidade Maravilhosa. Logo nas páginas iniciais, ele “apaga” uns tantos homens do bando de Gargamel, que é quem comanda o tráfico na favela da Serra. Jorge faz o serviço e escapa ileso, e é aí que entra uma variável importante na história.
Jorge não mata sozinho. Ele é guiado e orientado por São Jorge – o santo mesmo –, que o protege e tem estado a seu lado desde garoto. Iluminado pelo santo guerreiro e nutrindo uma grande fé religiosa, Jorge acredita que sua missão é “limpar” a cidade, exterminando aqueles que são responsáveis pela violência cada vez maior que assola o Rio. Só que seu método de combater a violência é agindo também com violência.
Incrivelmente ou não, Jorge logo se torna uma lenda viva na cidade, apelidado de Santo pelo povo e pela mídia. Ao mesmo tempo, chama a atenção das autoridades e é procurado pela polícia, que passa a dedicar cada vez mais tempo ao caso – as ações de Jorge, ovacionadas por grande parte da população e sob os holofotes ultrassensacionalistas da imprensa, apontam a impunidade da justiça, e o descaso e a corrupção dentro da polícia.
Baderna montada. Apenas Ramos, um policial investigativo detalhista e com um enorme senso de justiça e retidão, é capaz de enxergar um padrão e significados no modus operandi de Jorge. Enquanto tenta combater a corrupção dentro da própria corporação – uma meta um tanto utópica –, Ramos se debruça sobre o caso de Santo com a ajuda de seu parceiro, o impulsivo Andrade, e da atraente psiquiatra da polícia militar, a Dra. Priscila Gatto.
Para complicar o trabalho dos policiais, Marcelo Sobral, um jornalista da imprensa marrom, não mede esforços para conseguir “a” matéria que o fará ascender na profissão e faz questão de publicar notícias sensacionalistas sobre o caso.
Repleto de ação – e sangue, muito sangue! –, o livro mostra um Rio de Janeiro despido do véu de brilho e idealização que costuma ganhar (merecidamente) desde sempre. Dos morros às calçadas do Leblon, a cidade é palco para os cadáveres ensanguentados ao lado de mensagens que revelam a fé desmedida aliada ao extremismo e à falta de tolerância.
Ao trazer para perto do leitor a popular e cultuada figura de São Jorge, O Último Santo dá um breve mergulho na cultura religiosa dos brasileiros, na qual o catolicismo divide espaço com as religiões africanas e seus deuses. Aparentemente inabalável, e justamente por isso, a fé é questionada diante das mazelas da vida e do cotidiano do Rio de Janeiro de Rafael Padilha. Somos realmente protegidos por poderes divinos ou estamos vivendo um destino ditado apenas pelas leis da ciência?
A violência e o tráfico, a corrupção nas instituições, o jogo das autoridades políticas, a opinião da Igreja, dividida, em relação ao justiceiro que mata com respaldo na fé. Intercalados a tudo isso, flashbacks percorrem a mente de Jorge como um filme – imagens de sua infância, o amor pela mãe e as primeiras experiências envolvendo a aparição de São Jorge.
Como vocês já devem ter percebido, as quase 500 páginas do livro trazem uma trama ardilosa e bem pensada. O mistério se sustenta até quase o final – algumas nuances deixam entrever a charada aos poucos, de um jeito delicioso. O thriller ainda se apoia em questões psicológicas importantes – lembra que eu disse lá no comecinho? – e tem uma forte carga emocional, trazendo ainda mais camadas aos personagens.
Além do ritmo intenso, o livro toca em temas muito reais para nós, brasileiros. Temas como a justiça, a violência e a fé são terrenos férteis para reflexões, inclusive a nível pessoal – muitos trechos nos fazem confrontar nossas próprias verdades. Assim como a população carioca do livro, também ficamos divididos, mudando de lado a todo instante. Além disso, as ambiguidades e contradições, características tão presentes no Brasil, deixam tudo mais real e complexo.
O Último Santo nos joga no meio de uma cidade dominada pelo tráfico, onde prostitutas são exploradas toda noite, tiroteios são uma constante nas favelas e a polícia nem sempre está do lado do bem. Mas também estamos em um lugar de gente que tem fé, que vive dias difíceis e de privações, que ainda espera a proteção da polícia, do governo e também da providência divina. Uma cidade de gente que luta como pode para combater o mal, que perde pessoas queridas e que questiona suas próprias crenças.
Com altas doses de adrenalina e sangue nos olhos, O Último Santo descortina uma trama que é mais assustadora do que parece, em um lugar que é o inferno e o paraíso a um só tempo. Um lugar onde o ser humano é, acima de tudo, humano, com seus milhares de falhas e um longo caminho a percorrer.
LEIA PORQUE
O Último Santo traz os ingredientes que compõem todo bom thriller policial, é recheado de ação e tem personagens marcantes, cujas vidas se tocam e marcam umas às outras. Ainda, tem o bônus de se passar no Rio de Janeiro e trazer questões próximas à realidade brasileira.DA EXPERIÊNCIA
Li um livro de 500 páginas em pouco menos de duas semanas. Isso diz alguma coisa e não é qualquer coisa. Deu para sentir que tudo é emocionante por aqui...FEZ PENSAR
Quando Tropa de Elite encontra os thrillers de Garcia-Roza para um pingado no bar da esquina.
Onde comprar: Extra | Americanas.com
Título: O Último Santo
Autor(a): Rafael Padilha
Editora: Novo Século – Coleção Talentos da Literatura Brasileira
Edição: 2016
Ano da obra: 2016
Páginas: 496
Este post foi patrocinado por um autor que confia no trabalho do blog. O conteúdo é de autoria e reflete em sua totalidade a opinião do Livro Lab.
Aline T.K.M.
Criou o Livro Lab há 12 anos e se dedicar a este projeto é uma das coisas que mais ama fazer, além de estar em contato com os mais variados tipos de expressões artísticas. Tem paixão por cinema, viajar e conhecer outras culturas. Ah, e ama ler em francês!
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