Resenha: O Livro das Coisas Estranhas, de Michel Faber
Ficção científica 22 de março de 2017 Aline T.K.M. 2 comentários
Foram uns tantos motivos que me fizeram querer ler O Livro das Coisas Estranhas, um tijolo de 500 e poucas páginas de Michel Faber, um autor que eu nunca tinha lido na vida.
A começar pelo próprio título – intrigante, não tem como negar. Em seguida, o fato de ter um quê de ficção científica fez minha curiosidade pular de euforia, mesmo sabendo que a temática também abordaria a fé religiosa, assunto do qual sei quase nada e que só às vezes me deixa curiosa.
Mas o motivo crucial foi mesmo o plot do livro. Um pastor britânico que é escalado por uma organização americana para passar uma temporada em outro planeta. Sua missão? Levar a religião ao povo nativo. Catequizar alienígenas, WTF?!?!
A trama se passa no futuro e sabemos que a NASA já não existe então. Depois de várias entrevistas de seleção, Peter Leigh é contratado pela USIC para ser o pastor oficial da base da organização no planeta Oásis e o sacerdote da população nativa.
Peter aceita a proposta, motivado pela importância de sua missão e também não podendo ignorar a quantia que receberá. Deixando a mulher, Beatrice, e o gato, Joshua, ele parte rumo a Oásis.
As surpresas são muitas. O clima de Oásis, insuportavelmente quente e úmido, obriga o uso de batas num estilo meio árabe, sem falar que passar longos períodos ao ar livre pode ser bem difícil. A chuva oasiana cai de um jeito diferente, quase como se dançasse, ondulante e em faixas. A água tem coloração esverdeada e um sabor que lembra melão. E também tem as versáteis flores brancas, a única coisa que nasce em solo oasiano e que é matéria-prima para todas as preparações – desde uma imitação de carne, até sopa e strogonoff.
Tudo isso impressiona, mas nada se compara aos “oasianos”, como Peter chama os nativos. Para a surpresa do pastor, parte deles é muito crente e sedenta por religião. Eles se autointitulam Adoradores de Jesus e sua fé e conhecimento religioso foram fruto do trabalho do pastor anterior, misteriosamente desaparecido há um tempo.
Aliás, são os oasianos que se ocupam do cultivo e da colheita das flores brancas, e as fornecem para a base da USIC em troca de medicamentos – antibióticos, anti-inflamatórios, analgésicos, etc.
Sendo tão bem recebido e presenteado com tamanha fé e avidez por conhecimento, Peter acaba mergulhando de cabeça em sua missão. Seja pelo distanciamento com relação à Terra ou pela proximidade cada vez maior com os oasianos, Peter passa a se sentir cada vez mais confortável entre seus novos fiéis, optando por viver no assentamento deles ao invés de na base da USIC, e se identificando cada vez menos com as coisas “de casa”.
No início, Peter sofre muito com a distância da esposa, e a crise no relacionamento deles é inevitável. O único meio possível de comunicação é por meio de mensagens escritas, enviadas por um aparelho chamado Tubo, e o contato com Beatrice é também a única maneira de Peter ter alguma notícia da Terra. Só que a esposa mostra instabilidade em suas mensagens, e é portadora de notícias sempre muito ruins, relacionadas ao caos que toma a Terra – desastres naturais, violência crescente, tragédias e mortes.
Já na base da USIC não há qualquer referência da atualidade relacionada à Terra, ao que tudo indica, propositalmente. O programa de rádio que toca no refeitório é produzido especialmente para eles e só conta com programação musical antiga; as revistas se restringem a temas bem técnicos e, mesmo assim, ainda passam por uma espécie de censura – as páginas contendo qualquer referência à atualidade são arrancadas.
Uma das coisas de que mais gostei é que o autor faz a gente mergulhar fundo na situação do Peter. Além das descrições tão vívidas de Oásis, a gente experimenta com ele essa integração com o novo planeta e seus nativos, até mesmo em relação à língua.
Os oasianos conseguem falar um inglês muito básico; como alguns sons são impronunciáveis para eles, as respectivas letras são trocadas por caracteres estranhos em suas falas. Com o tempo, até Peter começa a falar desta maneira e cada vez mais caracteres vão aparecendo nas falas, substituindo algumas letras.
Mas Peter também vai conhecendo um pouco mais sobre os funcionários que atuam na base da USIC, pessoas de toda parte e com alguns aspectos em comum, fazendo com que Peter pouco a pouco compreenda os reais objetivos da organização em Oásis.
Com carga emocional e psicológica, o livro mostra como a noção de realidade é moldável e depende do entorno e das experiências diárias. Da mesma maneira, é difícil lidar com o intangível e continuar atado a uma realidade que já não é a que vivenciamos todos os dias, como no caso de Peter que, embora tente seguir conectado com sua vida na Terra, não pode evitar que a vida em Oásis se torne sua nova realidade.
O livro também fala sobre a fé – até que ponto ela resiste intocada, e o que faz com que passemos a questioná-la. Algo que ora é muito sólido e real, ora é tão frágil que pode ser facilmente estraçalhado.
Leitura intensa do início ao fim, O Livro das Coisas Estranhas une um lado meio ficção científica a uma pegada extremamente humana e subjetiva. O resultado foi algo bem diferente das minhas leituras habituais e que eu recomendo sem pensar duas vezes!
A começar pelo próprio título – intrigante, não tem como negar. Em seguida, o fato de ter um quê de ficção científica fez minha curiosidade pular de euforia, mesmo sabendo que a temática também abordaria a fé religiosa, assunto do qual sei quase nada e que só às vezes me deixa curiosa.
Mas o motivo crucial foi mesmo o plot do livro. Um pastor britânico que é escalado por uma organização americana para passar uma temporada em outro planeta. Sua missão? Levar a religião ao povo nativo. Catequizar alienígenas, WTF?!?!
A trama se passa no futuro e sabemos que a NASA já não existe então. Depois de várias entrevistas de seleção, Peter Leigh é contratado pela USIC para ser o pastor oficial da base da organização no planeta Oásis e o sacerdote da população nativa.
Peter aceita a proposta, motivado pela importância de sua missão e também não podendo ignorar a quantia que receberá. Deixando a mulher, Beatrice, e o gato, Joshua, ele parte rumo a Oásis.
As surpresas são muitas. O clima de Oásis, insuportavelmente quente e úmido, obriga o uso de batas num estilo meio árabe, sem falar que passar longos períodos ao ar livre pode ser bem difícil. A chuva oasiana cai de um jeito diferente, quase como se dançasse, ondulante e em faixas. A água tem coloração esverdeada e um sabor que lembra melão. E também tem as versáteis flores brancas, a única coisa que nasce em solo oasiano e que é matéria-prima para todas as preparações – desde uma imitação de carne, até sopa e strogonoff.
Tudo isso impressiona, mas nada se compara aos “oasianos”, como Peter chama os nativos. Para a surpresa do pastor, parte deles é muito crente e sedenta por religião. Eles se autointitulam Adoradores de Jesus e sua fé e conhecimento religioso foram fruto do trabalho do pastor anterior, misteriosamente desaparecido há um tempo.
Aliás, são os oasianos que se ocupam do cultivo e da colheita das flores brancas, e as fornecem para a base da USIC em troca de medicamentos – antibióticos, anti-inflamatórios, analgésicos, etc.
Sendo tão bem recebido e presenteado com tamanha fé e avidez por conhecimento, Peter acaba mergulhando de cabeça em sua missão. Seja pelo distanciamento com relação à Terra ou pela proximidade cada vez maior com os oasianos, Peter passa a se sentir cada vez mais confortável entre seus novos fiéis, optando por viver no assentamento deles ao invés de na base da USIC, e se identificando cada vez menos com as coisas “de casa”.
No início, Peter sofre muito com a distância da esposa, e a crise no relacionamento deles é inevitável. O único meio possível de comunicação é por meio de mensagens escritas, enviadas por um aparelho chamado Tubo, e o contato com Beatrice é também a única maneira de Peter ter alguma notícia da Terra. Só que a esposa mostra instabilidade em suas mensagens, e é portadora de notícias sempre muito ruins, relacionadas ao caos que toma a Terra – desastres naturais, violência crescente, tragédias e mortes.
Já na base da USIC não há qualquer referência da atualidade relacionada à Terra, ao que tudo indica, propositalmente. O programa de rádio que toca no refeitório é produzido especialmente para eles e só conta com programação musical antiga; as revistas se restringem a temas bem técnicos e, mesmo assim, ainda passam por uma espécie de censura – as páginas contendo qualquer referência à atualidade são arrancadas.
Uma das coisas de que mais gostei é que o autor faz a gente mergulhar fundo na situação do Peter. Além das descrições tão vívidas de Oásis, a gente experimenta com ele essa integração com o novo planeta e seus nativos, até mesmo em relação à língua.
Os oasianos conseguem falar um inglês muito básico; como alguns sons são impronunciáveis para eles, as respectivas letras são trocadas por caracteres estranhos em suas falas. Com o tempo, até Peter começa a falar desta maneira e cada vez mais caracteres vão aparecendo nas falas, substituindo algumas letras.
Mas Peter também vai conhecendo um pouco mais sobre os funcionários que atuam na base da USIC, pessoas de toda parte e com alguns aspectos em comum, fazendo com que Peter pouco a pouco compreenda os reais objetivos da organização em Oásis.
Com carga emocional e psicológica, o livro mostra como a noção de realidade é moldável e depende do entorno e das experiências diárias. Da mesma maneira, é difícil lidar com o intangível e continuar atado a uma realidade que já não é a que vivenciamos todos os dias, como no caso de Peter que, embora tente seguir conectado com sua vida na Terra, não pode evitar que a vida em Oásis se torne sua nova realidade.
O livro também fala sobre a fé – até que ponto ela resiste intocada, e o que faz com que passemos a questioná-la. Algo que ora é muito sólido e real, ora é tão frágil que pode ser facilmente estraçalhado.
Leitura intensa do início ao fim, O Livro das Coisas Estranhas une um lado meio ficção científica a uma pegada extremamente humana e subjetiva. O resultado foi algo bem diferente das minhas leituras habituais e que eu recomendo sem pensar duas vezes!
LEIA PORQUE
É um livro que traz uma premissa bem diferente, que fala sobre o “normal” e sobre o “estranho”, e mostra como o “estranho” passa a ser “normal”, dependendo do ângulo por onde se enxerga.DA EXPERIÊNCIA
A leitura foi repleta de surpresas e dessa sensação de viver tudo junto com o protagonista. Ah, eu não contei quase nada sobre os oasianos aqui na resenha de propósito! É que toda essa descoberta de como eles são fisicamente e de como se comportam é uma das delícias da história e eu não quis estragar isso para aqueles que estejam pensando em ler o livro.FEZ PENSAR
A conversa em torno do questionamento da fé me fez pensar em Loney, de Andrew Michael Hurley. Por outro lado, esse mix de sci-fi com um lado humano muito forte me remeteu a Matéria Escura, de Blake Crouch – em breve vai ter resenha dele para vocês.
Onde comprar: Saraiva | Amazon (edição Kindle)
Título: O Livro das Coisas Estranhas
Título original: The Book of Strange New Things
Autor(a): Michel Faber
Tradução: Simone Campos
Editora: Rocco
Edição: 2016
Ano da obra: 2014
Páginas: 528
Aline T.K.M.
Criou o Livro Lab há 12 anos e se dedicar a este projeto é uma das coisas que mais ama fazer, além de estar em contato com os mais variados tipos de expressões artísticas. Tem paixão por cinema, viajar e conhecer outras culturas. Ah, e ama ler em francês!
2 comentários
Oi Aline, que história hein? Adorei! Já vou adicionar na minha lista.
ResponderExcluiraboutbooksandmore.blogspot.com.br
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