Até que ponto é possível preservar intocada a pureza das coisas? Aquele filtro idílico que carregamos diante dos olhos até que o próprio mundo e as pessoas tratem de rompê-lo?

Esses questionamentos orbitam a trama de A Filha, primeiro longa-metragem do prestigiado diretor teatral australiano Simon Stone, que chegou aos cinemas esta semana. Inspirado na peça O Pato Selvagem, de Henrik Ibsen, o filme mostra quão frágil é tudo aquilo que conhecemos e em que nos apoiamos.

Logo nos primeiros minutos, imagens de uma floresta contrastam com outras de uma produção madeireira, troncos que entram e tábuas de madeira que saem. Um pato – uma pata, na verdade – é atingido por um tiro e tem a asa seriamente machucada, sem grandes perspectivas de um dia voltar a voar.

Christian está de volta a sua pequenina cidade natal para o casamento do pai, o viúvo Henry, com quem tem uma relação conturbada. Lá, ele acaba reencontrando um amigo de infância, Oliver, e conhece sua família. Trazendo à tona memórias e fatos do passado, Christian conhecerá um segredo há muito enterrado.

Convicto, mas apoiado em sua vulnerabilidade, ele tentará corrigir os erros de um passado doloroso. No entanto, suas ações atingem as vidas daqueles ao seu redor, e as consequências são irreversíveis.

Em meio a esse ambiente de aparência desbotada, uma adolescente vive as descobertas da vida. Enquanto lida com o amadurecer, Hedvig – a única filha de Oliver e Charlotte – enfrenta a dor das primeiras perdas e decepções. A sensação de desamparo após uma primeira experiência sexual humilhante é apenas uma delas.

A garota, radiante e cheia de vida, também sofre as consequências dos conflitos surgidos a sua volta e sente o amargor do desmoronamento ocasionado por eles.

Aliás, preciso dizer que a atuação surpreendente e profunda da jovem Odessa Young, que dá vida a Hedvig, faz toda a diferença e certamente é um dos grandes motivos para ver o filme.

Uma curiosidade é que a ideia do filme surgiu justamente por causa da aclamada adaptação teatral de Simon Stone para O Pato Selvagem, que cativou e convenceu as produtoras de que a peça poderia ser transformada para a telona. A Filha é o longa-metragem de estreia do diretor e fez parte da seleção oficial de festivais como Toronto, Veneza e Londres.

Drama poderoso, A Filha é aquele filme repleto de camadas, tão complexas como a própria vida. Bonito, delicado e um tanto cruel, mas sem eliminar de todo aquele pequenino ponto de luz quando tudo o mais parece perdido.

A vida é frágil e deixa marcas. Algumas mais profundas que outras, mas todas inevitáveis. Se a pureza não pode ser preservada até o fim, ao menos desejamos que se fechem as feridas desse corromper. Então, quem sabe um novo despertar – e um novo voo – possa acontecer. As cicatrizes, porém, nunca deixarão de existir.

TRAILER E SINOPSE

Longe de casa há mais de dez anos, Christian (Paul Schneider) retorna à cidade em que cresceu para o casamento do pai (Geoffrey Rush), com quem tem uma relação complicada. Enquanto aguarda a chegada de sua namorada, ele se reconecta com o amigo de infância, Oliver (Ewen Leslie), que acaba de perder o emprego, e descobre por acaso um segredo de família há muito tempo enterrado.

A Filha (The Daughter) – 96 min.
Austrália – 2016
Direção: Simon Stone
Roteiro: Simon Stone, inspirado na obra de Henrik Ibsen
Elenco: Geoffrey Rush, Ewen Leslie, Paul Schneider, Miranda Otto, Anna Torv, Odessa Young, Sam Neill, Wilson Moore

Estreia: 4 de maio