“O Cidadão Ilustre”: escritor mergulha na própria obra
Cinema argentino 11 de maio de 2017 Aline T.K.M. Nenhum comentário
O escritor – e o artista, em geral – não aceita o mundo em que vive, está sempre insatisfeito com ele. Por isso a necessidade de produzir sua arte e incorporá-la a este mundo, modificando-o de alguma maneira. As pessoas comuns, ao contrário, conseguem ser felizes em seu próprio mundo. Às vezes isso é bom, às vezes não.
O Cidadão Ilustre, comédia dramática dos argentinos Gastón Duprat e Mariano Cohn, acaba de estrear nos cinemas e traz um protagonista interessante e singular. Aliás, é dele o raciocínio do parágrafo acima.
O Cidadão Ilustre, comédia dramática dos argentinos Gastón Duprat e Mariano Cohn, acaba de estrear nos cinemas e traz um protagonista interessante e singular. Aliás, é dele o raciocínio do parágrafo acima.
Daniel Mantovani é um escritor mundialmente reconhecido, ganhador do Prêmio Nobel. Recluso, arrogante e com língua sempre afiada, ele contraria seus hábitos e decide aceitar um convite para receber o título de Cidadão Ilustre de Salas, a cidadezinha onde ele nasceu, na Argentina. Cidade que, aliás, sempre foi ambientação para seus livros, e seus habitantes, personagens de histórias com tom crítico e pejorativo. Radicado na Europa, esta é a primeira vez que ele retorna ao seu país natal desde que o deixou, há 40 anos.
Situações inesperadas, porém, mostram que aceitar esse convite pode não ter sido lá uma boa ideia...
Situações inesperadas, porém, mostram que aceitar esse convite pode não ter sido lá uma boa ideia...
No longo trajeto de Buenos Aires a Salas, Mantovani passa por alguns contratempos envolvendo um carro caindo aos pedaços e um acompanhante lerdo, obrigando-o a passar a noite em plena estrada. Um pequeno aperitivo do que está por vir.
Recebido calorosamente, o escritor afrouxa um pouco seus limites pessoais e permite fotos, abraços e até chega a autografar um exemplar de seu último livro, atitudes que normalmente não teria. Mas a amabilidade começa a se esvair, revelando reações hostis por parte de seus anfitriões.
Recebido calorosamente, o escritor afrouxa um pouco seus limites pessoais e permite fotos, abraços e até chega a autografar um exemplar de seu último livro, atitudes que normalmente não teria. Mas a amabilidade começa a se esvair, revelando reações hostis por parte de seus anfitriões.
A bem da verdade, por ter alcançado o sucesso denegrindo a cidadezinha e seus moradores em seus livros, muitos em Salas nunca simpatizaram com o escritor. E sua presença ali contribui para inflamar ainda mais os ânimos de alguns.
O jeito ácido e petulante de Daniel Mantovani – brilhantemente interpretado por Oscar Martínez – contrasta com o extremo provincianismo e patriotismo de Salas. Desde o passeio pela cidade no carro dos bombeiros, com direito à companhia da miss da cidade, até o sofrível concurso de pintura do qual foi convidado para ser um dos jurados, o famoso escritor passa por poucas e boas.
Além disso, há o reencontro com um amigo de juventude que acabou se casando com sua ex-namorada – a interação com sua família também será fonte de conflitos para Mantovani.
Além disso, há o reencontro com um amigo de juventude que acabou se casando com sua ex-namorada – a interação com sua família também será fonte de conflitos para Mantovani.
Sou suspeitíssima para falar, porque adoro o cinema argentino – sempre me surpreendo e aqui não foi diferente! Com humor e reflexão, o filme traz aquele tipo delicioso de trama em que realidade e ficção se entrelaçam, deixando o espectador matutando por um bom tempo após deixar a poltrona.
A obra – e o passado – confronta o escritor que, literalmente, mergulha em sua própria literatura. Quando a atmosfera se intensifica, a sátira toma ares de thriller, e chegamos mesmo a temer por nosso nada simpático protagonista que carrega no currículo um Nobel de Literatura – o primeiro de seu país, aliás, trazendo a questão do ressentimento e frustração por Jorge Luis Borges nunca ter sido premiado, apesar de se candidatar por 30 anos consecutivos.
A obra – e o passado – confronta o escritor que, literalmente, mergulha em sua própria literatura. Quando a atmosfera se intensifica, a sátira toma ares de thriller, e chegamos mesmo a temer por nosso nada simpático protagonista que carrega no currículo um Nobel de Literatura – o primeiro de seu país, aliás, trazendo a questão do ressentimento e frustração por Jorge Luis Borges nunca ter sido premiado, apesar de se candidatar por 30 anos consecutivos.
O Cidadão Ilustre tem uma comédia que perturba enquanto faz sorrir – a insistência do riso sempre revela algum incômodo, não? Ao contrário de seus personagens, Mantovani, há 40 anos, conseguiu sair de Salas. Mas, mesmo depois de tanto tempo, o descontentamento com aquele mundo – seu mundo, de alguma forma – nunca o deixou. Talvez, a infelicidade e a insatisfação sejam mesmo o principal impulso da criação artística, afinal.
Daniel Mantovani (Oscar Martínez), um escritor argentino e vencedor do Prêmio Nobel, radicado há 40 anos na Europa, volta à sua terra natal, ao povoado onde nasceu e que inspirou a maioria de seus livros, para receber o título de Cidadão Ilustre da cidade – um dos únicos prêmios que aceitou receber. No entanto, sua ilustre visita desencadeará uma série de situações complicadas entre ele e o povo local, ainda mais por ter usado pessoas reais como personagens dos seus romances.
O Cidadão Ilustre foi o filme mais assistido na Argentina em 2016 e ganhou o Goya de Melhor Filme Ibero-Americano. Oscar Martínez ganhou o prêmio de Melhor Ator no Festival de Veneza.
TRAILER E SINOPSE
Daniel Mantovani (Oscar Martínez), um escritor argentino e vencedor do Prêmio Nobel, radicado há 40 anos na Europa, volta à sua terra natal, ao povoado onde nasceu e que inspirou a maioria de seus livros, para receber o título de Cidadão Ilustre da cidade – um dos únicos prêmios que aceitou receber. No entanto, sua ilustre visita desencadeará uma série de situações complicadas entre ele e o povo local, ainda mais por ter usado pessoas reais como personagens dos seus romances.
O Cidadão Ilustre foi o filme mais assistido na Argentina em 2016 e ganhou o Goya de Melhor Filme Ibero-Americano. Oscar Martínez ganhou o prêmio de Melhor Ator no Festival de Veneza.
O Cidadão Ilustre (El Ciudadano Ilustre) – 118 min.
Argentina / Espanha – 2016
Direção: Gastón Duprat e Mariano Cohn
Roteiro: Andrés Duprat
Elenco: Oscar Martínez, Dady Brieva, Andrea Frigerio, Belén Chavanne, Nora Navas, Marcelo D’Andrea
Estreia: 11 de maio
Aline T.K.M.
Criou o Livro Lab há 12 anos e se dedicar a este projeto é uma das coisas que mais ama fazer, além de estar em contato com os mais variados tipos de expressões artísticas. Tem paixão por cinema, viajar e conhecer outras culturas. Ah, e ama ler em francês!
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