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Deserto, o novo filme de Jonás Cuarón, não dá para ser ignorado

Cinema latino-americano 7 de novembro de 2017 Aline T.K.M. Nenhum comentário

Deserto, o novo filme de Jonás Cuarón protagonizado por Gael García Bernal, não dá para ser ignorado

Que Deserto – o segundo filme de Jonás Cuarón, indicado ao Oscar pelo roteiro de Gravidade – dividiria opiniões, isso eu já imaginava. Mas, ainda que tenha sido originalmente lançado em 2015, um ano antes da eleição de Donald Trump, e que a primeira versão do roteiro tenha mais de oito anos, o filme não podia ser mais atual.

O longa do filho de Alfonso Cuarón, que estreou recentemente nos cinemas, tem um enredo bastante simples. Um grupo de mexicanos tenta entrar ilegalmente nos Estados Unidos, mas, por causa de uma pane no veículo que os transporta, são obrigados a continuar a travessia pelo deserto a pé.

Enquanto isso, o americano Sam (Jeffrey Dean Morgan) percorre a região com seu cachorro para uma prática cruel: caçar imigrantes ilegais, em uma espécie de tiro ao alvo perverso. Resta ao grupo de mexicanos, dentre os quais está Moises (Gael García Bernal), sobreviver à paisagem hostil e à perseguição de Sam.

Deserto, o novo filme de Jonás Cuarón protagonizado por Gael García Bernal, não dá para ser ignorado

Sem muito se aprofundar nas histórias individuais do grupo de imigrantes e ao apresentar um vilão raso – ao dar um Google, sabemos apenas que o personagem Sam é inspirado no Minutemen Project, tipo de milícia armada que vigia a fronteira entre EUA e México por conta própria e que atira nos imigrantes que tentam ultrapassá-la –, talvez vocês estejam se perguntando por que Deserto é um filme que vale a pena ser visto. E, também, por que é que eu dei 5 estrelinhas para ele.

Protagonizado por Gael García Bernal, Jeffrey Dean Morgan e Alondra Hidalgo, Deserto estabelece um diálogo certeiro com o momento em que estamos vivendo – momento em que existimos nós e os outros. Não importa exatamente quem é quem. Os diferentes, a minoria, os distantes e os indesejados serão sempre os outros; uma massa inconveniente sem nome nem história.

Deserto, o novo filme de Jonás Cuarón protagonizado por Gael García Bernal, não dá para ser ignorado

Impossível não mencionar que o filme de Jonás Cuarón chega como uma resposta ao discurso de Trump e a todos os absurdos que vêm se desenrolando nos últimos tempos.

Xenofobia, hostilidade, supressão dos valores humanitários e descaso com as minorias, ênfase nos valores capitalistas; a lista é longa. Isso sem falar no que temos testemunhado fora dos Estados Unidos, por exemplo, o crescimento da extrema direita nos países europeus, cujos discursos chegam a ser assustadores e que atraem cada vez mais a juventude.

Milhões de refugiados, nações cercando suas fronteiras e fazendo acordos financeiros para tirar o problema de suas mãos. Só que não dá para esquecer que o problema é de todo mundo. Atentados pipocando por aí. Ódio que gera ódio, que gera ódio, que gera ódio.


Quem ainda acha que esses sinais preocupantes não passam de discursinho alarmista, bom, o filme A Onda (Die Welle) está aí há uma década para mostrar como grupos – e, claro, populações inteiras – podem se deixar levar facilmente por ideias radicais, mesmo depois de todas as barbáries que a história já nos mostrou.

Deserto, o novo filme de Jonás Cuarón protagonizado por Gael García Bernal, não dá para ser ignorado

Deserto não decepciona, inclusive aqueles que esperam um thriller ágil, cruel e sem amenizantes. O longa tem pegada tensa do início ao fim – não pisquei e passei aquela uma hora e meia com a respiração entrecortada – e, apesar da trama simples e poucos diálogos, traz uma bagagem que não dá para ser ignorada. “Jonás colocou nas telas o que acontece quando alguém valida o discurso de ódio”, disse Gael García Bernal para El País.

Já o próprio Jonás Cuarón declarou que “Deserto é a versão ‘pés na terra’ de Gravidade”, quando questionado sobre a semelhança entre os dois filmes. “Eu sempre digo que Gravity, por ser no espaço, acabou tocando em temas mais existenciais. Deserto é a versão ‘com os pés na terra’, abordando questões mais geopolíticas e atuais”, disse o diretor.

Nem sempre levar a caça significa vencer a batalha. Se o mundo é um grande embate, a vida é feita de pequenas caçadas diárias – para alguns elas são, literalmente, uma questão de vida ou morte.

Deserto, o novo filme de Jonás Cuarón protagonizado por Gael García Bernal, não dá para ser ignorado


TRAILER E FICHA TÉCNICA


Junto a um grupo de pessoas, Moises (Gael García Bernal) tenta atravessar a pé a fronteira do México com os Estados Unidos, buscando uma nova vida no Norte. No caminho eles se deparam com um solitário homem, Sam (Jeffrey Dean Morgan), que patrulha por sua própria conta a fronteira e se diverte em sua caça aos imigrantes. Todos terão de achar um jeito de sobreviver nessa paisagem incrivelmente brutal antes do deserto consumi-los.



Deserto (Desierto) – 88 min.
México | França – 2015
Direção: Jonas Cuarón
Roteiro: Jonás Cuarón, Mateo Garcia
Elenco: Gael García Bernal, Jeffrey Dean Morgan, Alondra Hidalgo, David Lorenzo, Marco Pérez, Diego Cataño, Oscar Flores

Estreia: 2 de novembro

Aline T.K.M.
Criou o Livro Lab há 12 anos e se dedicar a este projeto é uma das coisas que mais ama fazer, além de estar em contato com os mais variados tipos de expressões artísticas. Tem paixão por cinema, viajar e conhecer outras culturas. Ah, e ama ler em francês!

 

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