Filme ‘Daphne’: protagonista densa e o limbo do início dos 30 anos
30 anos 5 de março de 2018 Aline T.K.M. Nenhum comentário
Daphne é um daqueles filmes que conquistam pela personagem central, complexa e vivendo um momento bem específico da vida – quase uma Frances Ha, só que endurecida e cáustica.
Com direção de Peter Mackie Burns, o longa britânico chega aos cinemas no dia 8 de março. Nele, acompanhamos a história de Daphne, de 31 anos, que se vê naquele limbo que não raro acomete a existência no início da terceira década de vida. Ela é tomada pela sensação de falta de sentido, se considerando muito nova para levar tudo tão a sério e velha demais para um estilo de vida que já não a satisfaz.
Com direção de Peter Mackie Burns, o longa britânico chega aos cinemas no dia 8 de março. Nele, acompanhamos a história de Daphne, de 31 anos, que se vê naquele limbo que não raro acomete a existência no início da terceira década de vida. Ela é tomada pela sensação de falta de sentido, se considerando muito nova para levar tudo tão a sério e velha demais para um estilo de vida que já não a satisfaz.
Entre o trabalho na cozinha de um pequeno restaurante e a solidão de sua casa, Daphne é presença constante nas noites de Londres, exagerando na bebida e indo para a cama com caras diferentes. Anestesiada da vida, não encontra satisfação nem nas amizades nem no sexo. Tampouco existe um real interesse em um relacionamento amoroso.
Até que, ao testemunhar um homem ser ferido durante um assalto, alguma coisa se movimenta dentro de si. De repente, Daphne é confrontada pela imagem da pessoa que se tornou.
Até que, ao testemunhar um homem ser ferido durante um assalto, alguma coisa se movimenta dentro de si. De repente, Daphne é confrontada pela imagem da pessoa que se tornou.
Minha intenção aqui não é a de tecer comentários distanciados sobre a produção ou apenas tentar convencê-los de que vale a pena se deslocar até o cinema para conferir este filme que, apesar de contido, tem tanto a dizer.
Quero, sim, trazer a conversa de hoje para um lugar mais humano e focar no momento da protagonista. Tentar mostrar quanto o filme – especialmente a personagem que o intitula – me tocou em um nível particular e, indo mais além, como ele certamente vai dialogar com muitos de vocês que, como eu, estejam na mesma faixa etária da protagonista.
O longa nos leva a acompanhar o cotidiano um tanto vazio de Daphne. Quando, logo no início, vemos seu reflexo fragmentado em uma parede repleta de espelhos, isso não é senão uma pista de seu interior, das lacunas e partes desconexas que ela carrega dentro de si.
Quero, sim, trazer a conversa de hoje para um lugar mais humano e focar no momento da protagonista. Tentar mostrar quanto o filme – especialmente a personagem que o intitula – me tocou em um nível particular e, indo mais além, como ele certamente vai dialogar com muitos de vocês que, como eu, estejam na mesma faixa etária da protagonista.
O longa nos leva a acompanhar o cotidiano um tanto vazio de Daphne. Quando, logo no início, vemos seu reflexo fragmentado em uma parede repleta de espelhos, isso não é senão uma pista de seu interior, das lacunas e partes desconexas que ela carrega dentro de si.
Irônica, Daphne sempre volta seu lado mais afiado na direção de tudo e todos. A agressividade e a indiferença como ferramentas que a permitem levar os dias adiante, expondo-se o menos possível aos machucados inevitáveis da vida.
Envolta em uma carapaça bastante rígida, ela se protege enquanto se abstém de sentir.
Porque sim, Daphne não sente, não se conecta, não se envolve. Ninguém a conhece de verdade. A vida parece acontecer lá fora enquanto ela a observa de seu canto inatingível. Aquilo que mais a torna vulnerável é – e precisa ser – o alvo maior de seu sarcasmo, o motivo de seu riso nervoso e debochado.
Envolta em uma carapaça bastante rígida, ela se protege enquanto se abstém de sentir.
Porque sim, Daphne não sente, não se conecta, não se envolve. Ninguém a conhece de verdade. A vida parece acontecer lá fora enquanto ela a observa de seu canto inatingível. Aquilo que mais a torna vulnerável é – e precisa ser – o alvo maior de seu sarcasmo, o motivo de seu riso nervoso e debochado.
A repetição e certa monotonia fazem parte do filme e são aspectos coerentes com o momento da personagem, que resiste aos pequenos lampejos de mudanças positivas e à ajuda daqueles que parecem se importar.
Vale destacar o trabalho da atriz Emily Beecham, que dá vida à Daphne e que protagonizou o curta Happy Birthday to Me, do mesmo diretor, que serviu de inspiração para o roteirista Nico Mensinga. Emily traz intensidade e trabalha bem a luz e a sombra da personagem, dando tridimensionalidade a suas diferentes camadas.
Vale destacar o trabalho da atriz Emily Beecham, que dá vida à Daphne e que protagonizou o curta Happy Birthday to Me, do mesmo diretor, que serviu de inspiração para o roteirista Nico Mensinga. Emily traz intensidade e trabalha bem a luz e a sombra da personagem, dando tridimensionalidade a suas diferentes camadas.
Talvez não tão encantador como Frances Ha, o longa retrata o vazio e a sensação de estar perdido que é tão comum na geração que hoje acaba de entrar nos trinta anos. Ainda se espera – erroneamente – que alcançar os trinta seja sinônimo de estabilidade e da certeza de ter encontrado um lugar no mundo. Utopia para muitos. O que não quer dizer que este momento nunca chegará – apenas não existe hora certa. Por outro lado, também não há nada de errado no fato de não perseguir incansavelmente tal objetivo, muitas vezes enxertado de forma artificial no indivíduo por inúmeros fatores externos.
O problema é quando a pessoa acaba por se blindar em relação à vida – as coisas ruins "não a atingem", só que as boas também não conseguem chegar perto. É aí que Daphne se diferencia da carismática Frances Ha, nas travas internas e na aparente ausência de sonhos.
O problema é quando a pessoa acaba por se blindar em relação à vida – as coisas ruins "não a atingem", só que as boas também não conseguem chegar perto. É aí que Daphne se diferencia da carismática Frances Ha, nas travas internas e na aparente ausência de sonhos.
O interessante no filme do Burns é que a trama é toda focada no presente. Analisar o passado não é uma questão. Em vez disso, a constatação, o confronto com a própria frieza e o não sentir, e o que se pode – e se quer – fazer a partir disso.
As ferramentas para uma possível mudança de perspectiva estão nas mãos de Daphne. Resta saber o que ela fará com elas. A simples percepção de si mesma e da necessidade de mudanças, além do próprio poder de operá-las, já é um primeiro grande passo.
As ferramentas para uma possível mudança de perspectiva estão nas mãos de Daphne. Resta saber o que ela fará com elas. A simples percepção de si mesma e da necessidade de mudanças, além do próprio poder de operá-las, já é um primeiro grande passo.
TRAILER E FICHA TÉCNICA
Daphne (Daphne) – 88 min.
Reino Unido – 2017
Direção: Peter Mackie Burns
Roteiro: Nico Mensinga
Elenco: Emily Beecham, Tom Vaughan-Lawlor, Nathaniel Martello-White, Geraldine James
Estreia: 8 de março
Aline T.K.M.
Criou o Livro Lab há 12 anos e se dedicar a este projeto é uma das coisas que mais ama fazer, além de estar em contato com os mais variados tipos de expressões artísticas. Tem paixão por cinema, viajar e conhecer outras culturas. Ah, e ama ler em francês!
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