Minha listinha de prováveis melhores filmes de 2018 aumentou mais um pouco. Projeto Flórida, o sexto longa do americano Sean Baker, diretor do aclamado Tangerine, é a um só tempo um deleite visual, um novo olhar sobre um local que apenas pensávamos conhecer, e todo um mix de sentimentos.

O filme, que estreia hoje nos cinemas, mostra uma realidade que muitos desconhecem ou para a qual deliberadamente fecham os olhos, e que é um verdadeiro problema social em Orlando. Muitas pessoas, e mesmo famílias completas com crianças, sobrevivem de maneira precária habitando quartos de motel de baixo custo na beira das estradas.

Esta é a realidade de Halley (Bria Vinaite), a mãe jovem e ainda imatura da garotinha Moonee (Brooklynn Prince). As duas vivem em um quarto no Magic Castle, um motel barato que chama a atenção por suas paredes roxas, vizinho ao Futureland, outro motel semelhante. As cores extravagantes e os nomes lúdicos beiram a ironia cruel, um duplo torto de um mundo mágico tão próximo e, ao mesmo tempo, inalcançável para elas.

Esta espécie de recorte da rotina de Halley e Moonee durante as férias de verão nos é mostrado aqui pela perspectiva da garotinha. A vida da menina e sua mãe só não é pior porque contam com a proteção de Bobby (Willem Dafoe), o gerente do motel.

Halley é ainda muito jovem e parece perdida entre a responsabilidade que a maternidade requer e uma vibe ainda teenager de cair nas noitadas com as amigas ou simplesmente se entregar ao ócio. No que diz respeito à filha, Halley faz o que está a seu alcance, o que significa não conseguir manter em dia o pagamento pelo quarto e depender da comida grátis que sua amiga e vizinha descola na lanchonete em que trabalha.

Apesar da necessidade, Halley tem consciência de que dificilmente seria aceita para trabalhar nos famosos parques de Orlando – o padrão Disney de staff certamente exclui garotas como ela.

Já Moonee é uma menina esperta e passa as férias às voltas com os amiguinhos em brincadeiras nem tão inofensivas, que incluem cuspir em carros, invadir casas abandonadas e pedir moedas na rua para comprar sorvete. Em seu mundinho de criança de 6 anos de idade, ela não tem total compreensão, embora tenha sensibilidade para perceber a situação em que vive com a mãe.

Um dos grandes destaques do filme – senão o maior – é justamente a pequena Brooklynn Prince, intérprete de Moonee. Ligeira e autêntica, ela rouba a cena e carrega boa parte do filme. Bria Vinaite também faz um ótimo trabalho na pele de Halley; e ainda temos Willem Dafoe, cuja participação lhe rendeu a indicação ao prêmio de melhor ator coadjuvante no Oscar 2018.

Muito humano, orgânico e marcado pela sinceridade, Projeto Flórida realiza um feito ao unir crueza e sensibilidade em uma mesma história, inseridas de forma dosada e nos lugares certos. Sem apontar dedos, o longa traz algo como uma “inocência calejada” ou uma “esperança desbotada, mas ainda assim colorida”. O próprio visual de cores lavadas (que eu, particularmente, gosto muito) remete a essa ideia de sonho gasto, de um “lugar-mágico-só-que-não”.

Ao descortinar uma faceta pouco considerada de um local tão idealizado – inclusive, há uma cena tragicômica com um casal de brasileiros disneymaníacos –, o filme não apenas traz esse ponto de reflexão como também consegue manter a leveza e arrancar risadas, especialmente nas sequências que envolvem as crianças.

Emblemático, o desfecho não poderia ter sido melhor. A materialização do sonho, mas também a dura confirmação de que o “Projeto Flórida” – como Walt Disney intitulava o empreendimento que originaria o complexo Walt Disney World, na década de 60 – permanece intocável e inalcançável. Um sonho do qual essa gente permanecerá para sempre excluída.

TRAILER E FICHA TÉCNICA

Projeto Flórida (The Florida Project) – 111 min.
EUA – 2018
Direção: Sean Baker
Roteiro: Sean Baker, Chris Bergoch
Elenco: Brooklynn Prince, Bria Vinaite, Willem Dafoe, Valeria Cotto, Christopher Rivera, Josie Olivo, Mela Murder

Estreia: 1 de março