Filme ‘Praça Paris’ deixa o espectador na corda bamba ao abordar relação entre realidades distintas
Cinema argentino 30 de abril de 2018 Aline T.K.M. Nenhum comentário
Coprodução entre Argentina, Brasil e Portugal, o recém-lançado Praça Paris retrata a cultura do medo e a questão da violência no Rio de Janeiro, a partir da delicada relação entre uma psicóloga e sua paciente.
Para fazer brilhar os olhos dos literários por aqui – e apreciadores de um bom thriller –, a diretora Lucia Murat divide a assinatura do roteiro com o escritor Raphael Montes.
Para fazer brilhar os olhos dos literários por aqui – e apreciadores de um bom thriller –, a diretora Lucia Murat divide a assinatura do roteiro com o escritor Raphael Montes.
No filme, Camila é uma jovem psicóloga portuguesa que trabalha na UERJ e tem como uma de suas pacientes Glória, a ascensorista da universidade. Estuprada na infância e com um irmão criminoso na cadeia, Glória relata nas sessões a violência que sempre fez parte de seu entorno.
Assustada, Camila passa a se sentir ameaçada à medida que a paciente parece precisar cada vez mais dela.
Assustada, Camila passa a se sentir ameaçada à medida que a paciente parece precisar cada vez mais dela.
Ao acompanharmos fragmentos da vida e da rotina da psicóloga e da paciente, confrontamos a discrepância entre as duas realidades e a dificuldade mútua de compreender de forma ampla e sincera uma vida tão distante de si. Na realidade, a disposição genuína para que essa compreensão ocorra acaba sendo, antes, o obstáculo maior.
Praça Paris apresenta uma característica que acerta na hora de provocar o espectador – o fato de evitar a oposição bem-mal ou certo-errado. Assim, fica quase impossível tomar partido de um lado; as atitudes das duas protagonistas são tão compreensíveis e justificáveis quanto condenáveis.
Tudo é encoberto pelo véu da dúvida e contaminado pelas experiências de vida e condição socioeconômica das personagens. A realidade do outro é praticamente desconhecida, apesar da proximidade física. Consequência: eis aí alimento para o preconceito e para o medo, este último nem sempre infundado.
É verdade que a perspectiva da história tende a se aproximar mais da terapeuta. Ainda assim, o espectador fica na corda bamba – os dois lados trazem suas verdades, totalmente possíveis de serem validadas.
Tudo é encoberto pelo véu da dúvida e contaminado pelas experiências de vida e condição socioeconômica das personagens. A realidade do outro é praticamente desconhecida, apesar da proximidade física. Consequência: eis aí alimento para o preconceito e para o medo, este último nem sempre infundado.
É verdade que a perspectiva da história tende a se aproximar mais da terapeuta. Ainda assim, o espectador fica na corda bamba – os dois lados trazem suas verdades, totalmente possíveis de serem validadas.
Conviver com a violência desde muito nova influenciou, claro, a visão de justiça de Glória. Alternando entre a defensiva e o ataque, ela é recoberta por uma capa hostil ao lidar com uma realidade diferente e mais privilegiada. Aproveito para abrir aqui um parêntese e destacar a atuação de Grace Passô, que interpreta Glória. Com carreira já consolidada no teatro como atriz e dramaturga, este é seu primeiro trabalho no cinema.
Por outro lado, o medo vivido por Camila também é justificável – talvez reforçado por ser gringa. Entre os brasileiros a cultura do medo é algo real e incentivado por meios diversos, alimentando um círculo vicioso em que os desfavorecidos permanecem ignorados, e os privilegiados aprendem a se tornar indiferentes diante do outro. As oportunidades são mais escassas, a criminalidade aumenta, os crimes são cada vez mais hediondos, o medo cresce e também o preconceito.
Por outro lado, o medo vivido por Camila também é justificável – talvez reforçado por ser gringa. Entre os brasileiros a cultura do medo é algo real e incentivado por meios diversos, alimentando um círculo vicioso em que os desfavorecidos permanecem ignorados, e os privilegiados aprendem a se tornar indiferentes diante do outro. As oportunidades são mais escassas, a criminalidade aumenta, os crimes são cada vez mais hediondos, o medo cresce e também o preconceito.
Conforme mencionei lá no começo, Raphael Montes é um dos roteiristas e Praça Paris carrega, sim, elementos de thriller. O medo de Camila é tão intenso que se materializa, e ela passa a “ver” Glória em todos os lugares. A psicóloga liga o botãozinho da adrenalina e da necessidade constante de fuga, já que a ansiedade e a sensação de perseguição a tomam por completo.
Abstendo-se de apontar vítimas e culpados definitivos, Praça Paris é honesto e instigante ao constatar uma realidade que está aí para ser vista. O longa toma um caminho diferenciado, mais intimista, para falar sobre as desigualdades convivendo fisicamente tão próximas e a consequente tensão que isto traz.
O desfecho só vem a aguçar o sabor amargo do estado fixo dessa realidade social. Infelizmente, tudo parece fadado a permanecer como está.
O desfecho só vem a aguçar o sabor amargo do estado fixo dessa realidade social. Infelizmente, tudo parece fadado a permanecer como está.
TRAILER E FICHA TÉCNICA
Praça Paris – 110 min.
Argentina | Brasil | Portugal – 2017
Direção: Lucia Murat
Roteiro: Lucia Murat, Raphael Montes
Elenco: Grace Passô, Joana de Verona, Alex Brasil, Babu Santana, Digão Ribeiro, Marco Antonio Caponi
Estreia: 26 de abril
Aline T.K.M.
Criou o Livro Lab há 12 anos e se dedicar a este projeto é uma das coisas que mais ama fazer, além de estar em contato com os mais variados tipos de expressões artísticas. Tem paixão por cinema, viajar e conhecer outras culturas. Ah, e ama ler em francês!
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