Não é todo dia que eu vou no cinema ver um thriller e saio da sala não apenas satisfeita com o conteúdo do filme, como também tomada por um certo fascínio pela forma. O culpado disso tudo tem nome – A Garota na Névoa, escrito e dirigido pelo italiano Donato Carrisi, que é também o autor do livro homônimo que inspirou o longa. Ou seja, o cara adaptou o próprio romance em sua estreia na direção de longas metragens.

A obra La Ragazza nella Nebbia (The Girl in the Fog) nasceu originalmente como um roteiro que, após ser rejeitado, virou romance e então foi adaptado pelas mãos do próprio autor. O livro vendeu mais de um milhão de cópias mundo afora, mas ainda não tem edição brasileira – como assim???

Já o filme chega hoje aos cinemas e promete fisgar os apreciadores de um bom thriller policial.

Em um vilarejo incrustado nos Alpes italianos, uma adolescente de dezesseis anos desaparece misteriosamente. Anna Lou sumiu minutos depois de deixar sua casa a caminho de uma reunião do grupo religioso do qual faz parte.

Para comandar as investigações, o misterioso detetive Vogel é chamado ao vilarejo de Avechot. O tempo é curto, a mídia se mostra sedenta por um culpado, e Vogel precisa lançar mão de seus métodos suficientemente singulares para chegar à verdade sobre o que aconteceu com Anna Lou.

Estamos diante de uma história dominada pela presença do sombrio e da dúvida. Aqui, todos os personagens são dúbios, todo mundo pode ser um criminoso em potencial, especialmente nesse lugar “tranquilo demais”, cuja população cristã certamente abafa acontecimentos, reprime e é inflexível em suas verdades.

Entretanto, a atenção não paira exclusivamente no mistério e na busca por sua resolução. O olhar se demora um tanto mais na figura de Vogel, o detetive especialmente conhecido por “resolver” um caso famoso em todo o país – cujo culpado era, na verdade, inocente.

Quando todo mundo carrega um lado obscuro dentro si, não há motivo para crer que com Vogel seria diferente. Sua permanência em Avechot, aliás, é temperada pela relação duvidosa que o detetive mantém com os jornalistas, além da maneira como ele lida com uma mídia sempre voraz por encontrar heróis e bandidos.

Personagem que eu chamaria de “prato cheio”, Vogel logo no início procura pelo psiquiatra do vilarejo para vomitar os acontecimentos de sua investigação. Munidos da informação de que algo grave acaba de suceder, somos levados a acompanhar, em retrospecto, os acontecimentos ligados ao caso do desaparecimento de Anna Lou.

Não demora para que as suspeitas apontem para duas pessoas: um jovem com uma fixação secreta por Anna Lou, e um introspectivo professor de literatura recém-chegado ao vilarejo com sua família.

É quase impossível tirar os olhos da tela durante as duas horas de projeção, e todo o aspecto visual do longa é uma das razões para que isso aconteça. Além de esteticamente atraente – chamam atenção o enquadramento, um certo quê teatral aqui e ali, os pontos de luz quente em meio ao gélido cenário do vilarejo –, o filme traz atuações impecáveis, com destaque para Toni Servillo no papel do detetive Vogel.

Além disso, a escolha inusitada de um samba na voz de Beth Carvalho como trilha – tão triste –para momentos que pediriam um som mais pesado acrescentou muitos pontos para o longa.

Dizer que nada é o que parece ser soa um tanto clichê para descrever um filme policial, é verdade. Muito embora A Garota na Névoa não escape de vários desses clichês, o longa os traz bem trabalhados, e a trama é direcionada para um lugar muito mais fértil. Os holofotes lançam sua luz para além do desaparecimento de uma adolescente, apontando para questões outras, como ego e vaidade, manipulação, a banalidade envolvendo o mal. E, sobretudo, uma justiça cuja confiabilidade pouco importa, desde que as massas tenham um nome para maldizer e uma cara para apedrejar.

Irônico, impiedoso e bem abastecido de plot twists, A Garota na Névoa é digno da atenção dos cinéfilos e dos leitores de romances policiais. Ótimo exemplo de thriller que consegue segurar o suspense do início ao fim, além de trazer um desfecho surpreendente. Sem escancarar, sem mostrar demais, sem a necessidade do explícito. O essencial aos olhos está ali e deve bastar.

TRAILER E FICHA TÉCNICA

A Garota na Névoa (La Ragazza nella Nebbia | The Girl in the Fog) – 128 min.
Itália – 2017
Direção: Donato Carrisi
Roteiro: Donato Carrisi, baseado na obra de sua própria autoria
Elenco: Toni Servillo, Alessio Boni, Lorenzo Richelmy, Galatea Ranzi, Greta Scacchi, Jean Reno, Michela Cescon, Jacopo Olmo Antinori

Estreia: 8 de novembro