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‘Vidas Duplas’: filme de Olivier Assayas aborda os temores da revolução digital no mundo do livro e a forma como as pessoas resistem às mudanças

Cinema francês 18 de abril de 2019 Aline T.K.M. Nenhum comentário

Vidas Duplas: filme de Olivier Assayas aborda os temores da revolução digital no mundo dos livros e a forma como os seres humanos resistem às mudanças | Cinema

Depois de Personal Shopper, Olivier Assayas está de volta com Vidas Duplas, estrelado por Juliette Binoche, Guillaume Canet e Vincent Macaigne. O filme estreia hoje nos cinemas e traça um paralelo entre a revolução digital no meio editorial e a maneira como as pessoas lidam com as mudanças e transformações em suas vidas.

Vidas Duplas: filme de Olivier Assayas aborda os temores da revolução digital no mundo dos livros e a forma como os seres humanos resistem às mudanças | Cinema

No longa, Alain (Guillaume Canet) é um editor bem-sucedido que tem dificuldade para se adaptar à revolução digital. Ele também acaba rejeitando a publicação do novo manuscrito de Léonard (Vincent Macaigne), um dos autores que ele publica há anos, cuja proposta traz uma espécie de autoficção sobre seu caso romântico com uma celebridade.

Entretanto, Selena (Juliette Binoche), esposa de Alain e atriz, pensa de outra maneira e enxerga certo brilho nesse novo trabalho de Léonard.

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Discutir as vantagens e desvantagens do digital versus o analógico já é algo fora de questão. O fato é que o mundo digital já está entre nós há tempos e não existe outra escolha a não ser aceitá-lo e conviver da melhor forma possível – permitindo que ele facilite a vida em vez de complicá-la.

Aí reside a dificuldade dos personagens de Assayas em Vidas Duplas. O longa é marcado por ótimas trocas entre os diferentes interlocutores e discussões repletas de pontos interessantes quanto à mudança no hábito de consumo de livros – e como isso “esbarra” nos editores e autores. E logo se repara que existe um problema sério de comunicação entre todos eles, uma dificuldade de ouvir e de interpretar o que o outro diz. Aí é que as coisas ficam mais interessantes.

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Editor e autor (e amigos) não se entendem e não são capazes de se fazer entender. Uma atriz reluta em seguir dando vida a uma policial (ou “especialista em situações de crise”), um papel que tem sido dela há anos em uma série televisiva, mas também não sabe muito bem se e como declinar. Casais de longa data já não conseguem manter um diálogo satisfatório e colecionam pequenas infelicidades cotidianas. Relações extraconjugais acontecem o tempo inteiro, seja de maneira quase automática e passageira entre colegas de trabalho, seja em casos mantidos por anos a fio, tão acomodados quanto as relações oficiais.

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Espelho da realidade, a impressão que dá é a de que nada mais é 100% verdadeiro, 100% seguro, 100% satisfatório. Existe uma insegurança que permeia tudo e todos, passando pelas dúvidas e questionamentos de um editor resistente aos livros digitais, mas que depois começa a enxergar as possibilidades promissoras dos audiolivros; passando também por um escritor que é totalmente alheio ao que dizem de si mesmo na internet, e que é criticado por expor seus relacionamentos sob um leve manto fictício em seus livros.

A mesma insegurança mostra casais dados ao conformismo, que vivem histórias às escondidas – por isso mesmo não plenas – em vez de tentar resolver ou terminar de vez seus relacionamentos. De forma hilária ou não, a personagem mais verdadeira da trama é justamente a assessora de um político e cujo trabalho envolve evitar que os atos não muito recomendáveis dele sejam abafados e não terminem por manchar sua imagem.

Vidas Duplas: filme de Olivier Assayas aborda os temores da revolução digital no mundo dos livros e a forma como os seres humanos resistem às mudanças | Cinema

Vidas Duplas é um filme que dialoga até mesmo, e principalmente, nas entrelinhas. A questão da revolução digital e a resistência que ela ainda enfrenta é apenas pano de fundo para uma história sobre relações, sobre a própria resistência a mudanças e a ausência de um real questionamento – um que leve a transformações propriamente ditas, e não a paliativos como forma de suportar uma situação desagradável que poderia ser mudada.

Vidas Duplas: filme de Olivier Assayas aborda os temores da revolução digital no mundo dos livros e a forma como os seres humanos resistem às mudanças | Cinema

No entanto, a trama mostra que não é preciso chafurdar em lamentações ou persistir nos erros, ou mesmo deixar que os temores tomem conta. Tudo, até mesmo o caos, faz parte de um processo, de uma jornada que envolve experimentações e, claro, mudanças.

A atmosfera do desfecho ilustra muito bem isso, e mostra a constante e necessária transformação da vida – e sua aceitação. Ao mesmo tempo prova que, mesmo em meio a tantas revoluções, as coisas mais simples seguem sendo portadoras de felicidade e são capazes de grandes transformações.

Em tempo: toda essa questão sobre as mudanças frenéticas dos nossos tempos, a verdade das coisas e das relações, as “autoficções” e até que ponto tomamos emprestadas outras pessoas para conceber a nossa própria arte; tudo isso me fez lembrar do quinto episódio (“Vida e arte” / “Life and art”) da primeira temporada da série Easy, da Netflix. Recomendo fortemente, não só o episódio – que pode ser visto de forma avulsa, assim como todos os outros episódios –, mas toda a série.

TRAILER E INFOS




Vidas Duplas (Doubles Vies) – 107 min.
França | 2018
Direção: Olivier Assayas
Roteiro: Olivier Assayas
Elenco: Guillaume Canet, Juliette Binoche, Vincent Macaigne, Nora Hamzawi, Christa Theret

Estreia: 18 de abril

Aline T.K.M.
Criou o Livro Lab há 12 anos e se dedicar a este projeto é uma das coisas que mais ama fazer, além de estar em contato com os mais variados tipos de expressões artísticas. Tem paixão por cinema, viajar e conhecer outras culturas. Ah, e ama ler em francês!

 

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